Por Revista Fórum

Nos últimos anos, as chamadas questões “identitárias” (de raça e gênero) têm dividido a esquerda. Enquanto a extrema direita faz delas, em termos morais, seu cavalo de batalha, parte do campo progressista torce o nariz para que adentremos esta seara e a tratemos como parte inegociável de nossa luta. Tem gente que defende que o identitarismo “atrapalha”, “tira votos”, e que deveria ser retirado do centro do debate. O resultado das eleições de 2020, no entanto, mostra o contrário.

Os mais vibrantes resultados da esquerda no pleito envolvem o identitarismo. Pelo menos 25 candidatos/as transgêneros foram eleitos para a Câmara de Vereadores em todo o país este ano, segundo levantamento da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transgêneros), contra apenas 8 em 2016. Ou seja, o número mais que triplicou. Entre os/as trans eleitos/as, 16 são de esquerda.

Em minha opinião, a parcela da esquerda que vê no identitarismo um problema está equivocada. E se estiver justamente na luta antirracista, antimachista e antiLGBTfóbica nossa maior força e capacidade de renovação?

Outros recordes foram batidos: a mulher trans Linda Brasil (PSOL) se tornou a vereadora mais votada em Aracaju (SE), com 5.773 votos; Érica Hilton (PSOL) foi a 6ª mais votada em São Paulo, com 50.508 votos, e se tornou a primeira mulher trans a ocupar uma vaga no legislativo municipal; em Belo Horizonte, Duda Salabert (PDT) também foi a campeã na Câmara e se tornou a vereadora mais votada em Belo Horizonte em todos os tempos, com 37.613 votos.

As mulheres cisgênero também fizeram bonito. Em 18 das 25 capitais onde houve eleição (em Macapá foi adiada), o número de mulheres nas Câmaras de Vereadores aumentou. Em números totais, a presença feminina cresceu em cerca de 36% nos legislativos municipais. Todas as capitais do país elegeram mulheres vereadoras este ano.

Cuiabá, onde nenhuma mulher havia sido eleita em 2016, passou a ter duas vereadoras, uma delas do PT, negra, Edna Sampaio. Curitiba conquistou a primeira mulher negra vereadora em mais de 300 anos: Carol Dartora, também do PT. Em Belém, outra petista negra se destacou na eleição, Bia Caminha, de 21 anos, negra e bissexual, a mais jovem vereadora da história da cidade. Vivi Reis, do PSOL, a mulher mais votada para a Câmara da capital paraense com 9.654 votos, é negra e LGBTQ. Tainá de Paula, do PT, recebeu 24.881 votos e foi a segunda mulher mais votada no Rio de Janeiro.

Um levantamento da Gênero e Número mostra que 44% dos vereadores nas capitais brasileiras a partir de 2021 serão negros. E as mulheres serão 18% de todos os vereadores das capitais. Trata-se de uma força que não pode ser desprezada.

Historicamente, a luta contra o fascismo sempre se fincou no tripé raça, gênero e classe. Por que agora seria diferente? A perseguição aos judeus na Alemanha nazista era baseada em raça, mas também envolveu classe: como os judeus integravam uma poderosa classe média no país, Adolf Hitler se utilizou do racismo para fazer deles bode expiatório da crise econômica, acusando-os de “roubar os empregos” dos alemães –não por acaso, o mesmo discurso de Donald Trump e outros próceres do neofascismo contra os imigrantes. Hitler também perseguiu os homossexuais, que eram identificados com um triângulo rosa nos campos de concentração para onde eram enviados.

ANTRA

Ora, se a extrema direita se sustenta e promove sua lavagem cerebral utilizando o machismo, o racismo, o classismo e a LGBTfobia, como a esquerda poderia fugir dessa luta com medo de “perder votos”? Ainda mais quando o que se mostrou nesta eleição é justamente o oposto, que ela cresce ao entrar nessa briga?

Em minha opinião, a parcela da esquerda que vê no identitarismo um problema está equivocada e subestima o poder eleitoral desse enfrentamento, que é, além de tudo, uma demanda da sociedade em direção aos partidos, e não o inverso. E se estiver justamente na luta antirracista, antimachista e antiLGBTfóbica nossa maior força e capacidade de renovação?

É esta leitura que a eleição nos dá.

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