Por: JOÃO CORDEIRO para Folha de São Paulo
Você já teve vergonha de ter sido honesto? Um estudo divulgado pela ACFE (Associação de Examinadores Certificados de Fraudes, na sigla em inglês), em 2015, mostrou que as empresas têm cerca de 5% do seu faturamento perdido a cada ano em função de condutas irregulares.
Em outro levantamento, a Pesquisa Global de Crimes Econômicos, organizada pela empresa internacional de auditoria e consultoria PwC, constatou que um terço das empresas brasileiras já foi vítima de algum tipo de crime econômico nos últimos dois anos.
Isso resulta em um prejuízo que pode chegar a US$ 100 milhões. Na maioria dos casos (64%), os crimes têm origem dentro da empresa e envolvem a participação de executivos com até 10 anos de trabalho.
Não há como ficar indiferente diante desses dados. Os atos ilícitos, que dominam o ambiente político e corporativo, são verdadeiras desgraças para a cidadania.
Essas situações convidam a sociedade a fazer uma profunda reflexão acerca do tema, pois colocam em xeque a tão sonhada busca da cultura da integridade. Mais do que isso, trata-se do retrato de uma educação incompleta e incapaz de formar bons e maus cidadãos.
Nessa direção, este vácuo cria o ambiente ideal para a concretização de três práticas fraudulentas: a corrupção, o desvio de conduta e a negligência. Vamos a elas:
Corrupção – É obter vantagem pessoal em troca de favores. É intencional, envolve mais de uma pessoa, pode ser ativa ou passiva. Os exemplos mais recentes são o caso da FIFA e os que estão sendo levantados pela Operação Lava Jato.
Desvio de conduta – É bem diferente. Não se trata de oferecer favor em troca de algo, mas de usar intencionalmente um caminho menor para atingir um resultado maior. É um ato consciente, exige uma premeditação maior do que a corrupção e pode ser cometido por um único indivíduo ou um grupo.
Há também situações em que o desvio de conduta vem de cima, com envolvimento direto ou indireto da alta gestão, caso do antigo Banco Panamericano e o da Volkswagen, com o seu inteligentíssimo software de fraudar os testes de emissão de poluentes em veículos movidos a diesel.
Negligência – Está relacionado à falta de cuidado, descuido ou descaso, podendo ser praticada apenas por um único indivíduo ou grupo. Quem é negligente quer inconscientemente economizar algo, podendo ser tempo, esforço ou dinheiro.
O caso mais recente é o da Samarco e a lama tóxica no Rio Doce, com prejuízos incalculáveis ao meio ambiente, à natureza, aos negócios e às pessoas.
Preocupados com a reputação e a sustentabilidade econômica do negócio, os acionistas não estão passivos e passaram a exigir controles cada vez maiores para tentar blindar atos fraudulentos.
De uma maneira geral, são medidas que vão desde a implementação de códigos de conduta mais rígidos entregues e formalizados na integração do novo executivo e políticas mais sérias de relacionamento com fornecedores.
Outras providências tomadas são processos mais rigorosos de auditorias, compra de serviços externos de investigação, softwares de gestão e controles de acessos de cada máquina instalada, criação de áreas de gestão de riscos e de “compliance”.
Mas será que adianta somente investir em processos, sistemas e tecnologia e deixar a educação de lado? Será que, ao agir nesse modus operandi, não estamos colocando culpa nos processos ou nas políticas internas e deixando de lado um elemento importante, o ser humano e sua formação?
Essas três práticas fraudulentas mencionadas (corrupção, desvio de conduta e negligência) têm um ponto em comum muito marcante: sobrevivem da escuridão, não suportam a luz, necessitam agir de forma camuflada. Logo, não convivem com transparência.
Transparência é um dos dez componentes da “accountability pessoal”, uma virtude moral que nos leva a pensar e agir como donos e entregar resultados excepcionais. Essa qualidade não convive com atalhos e vantagens pessoais em detrimento do coletivo.
A “accountability pessoal” deve ser ensinada por meio de uma educação completa, desde cedo, pela família e pela escola. Por coincidência, nos países onde isso ocorre –Dinamarca, Nova Zelândia, Noruega, Suécia e Finlândia– há um menor índice de corrupção.
Mas o crime nem sempre compensa e, cedo ou tarde, a dignidade cobra seu preço. No caso da Volkswagen, as ações desvalorizaram cerca de 50%. Entre multas e indenizações a consumidores, a empresa terá de desembolsar algo em torno de 78 bilhões de euros, segundo cálculo da Fortune.
Se isso for concretizado, também terá de gerar caixa vendendo patrimônios valiosos como, por exemplo, suas marcas de luxo que incluem Bentley, Lamborgini, Ducati e talvez até seu controle acionário da rentável operação de caminhões MAN.
Rui Barbosa dizia que “de tanto triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver agigantarem o poder nas mãos dos maus, o homem chega a se desanimar da virtude, a rir da honra e ter vergonha de ser honesto”.
O único legado positivo que podemos tirar desse lamaçal moral é o fato de aumentar ainda mais a nossa indignação e nos forçar a refletir sobre a importância de uma educação completa.
A falta dessa educação leva pessoas inteligentes e competentes a fazerem coisas erradas.
JOÃO CORDEIRO é psicólogo, pesquisador e autor de “Accountability, a Evolução da Responsabilidade Social” e “Desculpability – Elimine as Desculpas”, ambos pela Editora Évora
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