Estudo global da Goethe University, na Alemanha, encontrou características de liderança que diminuem o risco de esgotamento
Por Luísa Granato / time
Você diria que sua equipe tem uma identidade própria? A resposta para essa simples pergunta pode revelar se você, seus colegas ou seus liderados têm maior ou menor chance de ter esgotamento profissional.
Segundo pesquisa global publicada na International Journal of Environmental Research and Public Health no final de 2021, chefes que promovem esse sentimento de identidade contribuem na prevenção do Burnout entre seus liderados.
O estudo, conduzido pelo professor Rolf van Dick na Goethe University, na Alemanha, começou em 2016 e buscava descobrir se é possível que os chefes consigam proteger seus funcionários da Síndrome do Burnout.
No primeiro momento da pesquisa, foram coletados dados de mais de 5 mil trabalhadores em 20 países. Depois, entre 2020 e 2021, já na pandemia, foram mais 7.294 entrevistas com pessoas de 28 países, agora incluindo o Brasil.
A professora de gestão da Fundação Getulio Vargas e pesquisadora Joana Story entrou no estudo em 2019 como representante do Brasil, o único país da América Latina representado no estudo.
“Já existiam estudos mostrando que alguns estilos de liderança diminuem e outros aumentam o risco de burnout. Um perfil mais abusivo, aumenta. Agora, olhamos para a ideia do senso de pertencimento relacionado ao burnout”, explica ela.
Desde o início de 2022, a Síndrome de Burnout passou a ser classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. A mudança leva em conta descobertas e pesquisas sobre os sintomas em comum relatados por profissionais de todo o mundo.
Entre eles, a pesquisadora americana Christina Maslach resumiu em 1997 a síndrome em três dimensões:
- Exaustão emocional
- Sensação de eficácia profissional reduzida
- Despersonalização
Por ser um fenômeno ligado ao trabalho, encontrar uma solução dentro do ambiente de trabalho, centrada na figura da chefia, é o foco do novo estudo.
O estudo do professor Van Dick percebeu que globalmente há uma ligação entre o estilo de liderança por identidade compartilhada e a redução do risco de Burnout.
Ao analisar as respostas de trabalhadores por anos, foram observados níveis reduzidos de esgotamento onde havia níveis mais elevados do sentimento de identidade coletiva.
A conclusão é que a percepção de pertencimento a um coletivo é benéfica para a saúde e bem-estar. E não foram encontradas evidências de que um exagero no estilo de liderança possa ter um efeito contrário: quanto mais o chefe estimular o grupo, melhor.
Para comprovar o efeito, um grupo de 111 participantes da Alemanha foi novamente entrevistado após um período de três meses. Ao ver o nível da liderança, os pesquisadores conseguiram prever um aumento na identificação de equipe e redução no índice de Burnout.
Além da Alemanha, o estudo também incluiu países como Reino Unido, Itália, Bélgica, Finlândia, Estados Unidos, Filipinas, Austrália, Brasil e África do Sul.
O que é liderança por identidade compartilhada?
O termo, em inglês, “Social Identity Leadership” veio da teoria do britânico Alex Haslam, criada nos anos 2000. Para o professor de psicologia, ter uma identidade social ajuda a criar um senso de coletivo, redes de suporte, o sentimento de conexão, controle, confiança e propósito.
Dentro de um time, esses sentimentos protegem contra as diferentes dimensões listadas por Maslach para definir o esgotamento. E o tipo de liderança relacionado à teoria da psicologia vai cultivar o pertencimento e percepção de coletivo entre os integrantes da equipe.
Segundo Story, é como se cria um ambiente de segurança psicológica. E o projeto Aristóteles do Google descobriu que esse é o fator número um das equipes de sucesso e de alta performance.
E são quatro comportamentos que identificam esse estilo de liderança:
- O líder cria um senso de “nós”: ele instiga a existência de uma identidade da equipe
- Ele se torna o chefe visto como “um de nós”: ele é parte da equipe, não está acima dela
- O chefe lidera “por nós”: ele é reconhecido por ativamente promover e defender o interesse da equipe
- E o líder traz significado: o grupo vê um propósito que pode conquistar junto e relevância no seu trabalho
Na prática, esse líder consegue prover apoio e transformar o próprio time em uma rede de apoio. Para a pesquisadora, é difícil encontrar essa liderança.
“O que a gente sabe que cria o Burnout? Quando se tem demandas a mais do que tem recursos – e demandas e recursos podem ser físicos, psicológicos e outras coisas. Um colega de trabalho, por exemplo, pode ser uma demanda ou um recurso”, afirma.
Story vê que esse estilo de chefia é aquele que não existe apenas para repassar demandas. Ele sabe se tornar um recurso dos funcionários.
Ainda que sejam raras, essas quatro características foram identificadas como positivas entre dos diversos países do estudo, indo além de diferenças culturais. Em alguns locais, fatores se destacaram como mais relevantes. No Brasil, um deles se tornou mais relevante do que em qualquer outro país:
“No Brasil, todos os fatores tiveram efeito contra o Burnout. Mas o maior efeito aconteceu quando o líder fez a equipe sentir que o trabalho deles importava, mais do que o líder ser visto como igual ou criar um senso de ‘nós’”, diz.
A solução é mais embaixo
Se engana quem acha que é necessário ter muito poder para que esse estilo de liderança surta efeito. Na verdade, focar na diretoria e no CEO é só uma parcela da solução.
A identidade social é diferente da cultura da empresa. Mesmo que o presidente venda os valores da empresa, o gestor direto é quem vai moldar os comportamentos e atitudes da maior parcela da empresa.
O nível da média gerência é quem tem mais capacidade de proteger a equipe do estresse – e também é quem mais recebe pressão por resultados.
“Saber que tem alguém lutando por você dá segurança psicológica. E o líder pode servir de amortecedor para o estresse e a pressão”, afirma.
E quem dá recursos para a chefia?
“Ambientes de trabalho com altas demandas, baixa autonomia, muito trabalho, alta insegurança e baixo reconhecimento são antecedentes do Burnout. E a média gestão entra em todas essas categorias”, afirma.
Assim, para diminuir o esgotamento na organização, o trabalho nas empresas deve começar olhando para esse grupo de gestores, fornecendo mais recursos para equilibrar com as demandas.
Como recursos, a pesquisadora dá recomendações: aumentar o número de funcionários, contratar pessoas com a qualificação certa, melhorar equipamentos, garantir descanso e férias suficientes e oferecer treinamento.
Na Nexa Resources, empresa global de mineração e metalurgia com operação no Brasil, as iniciativas para combater o estresse foram além de treinamentos sobre saúde mental com toda a liderança.
Ao ver que o tema “excesso de trabalho” aparecia como fator constante de estresse nas pesquisas de clima, em 2021, o então CEO Tito Martins passou a considerar a questão como um fator de risco a acidentes na operação.
Segundo as regras da segurança do trabalho, o funcionário tem direito de recusar o trabalho que oferece um risco à sua saúde.
Dessa forma, foi criado um recursos para todos na empresa: o direito de recusar a sobrecarga de trabalho mental. A medida dá mais autonomia a todos como um recurso para administrar o estresse.
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