Por: Nicola Bryan / BBC Worklife / bbc.com

Muitos gerentes enchem seus funcionários com tarefas que não fazem sentido, só para mantê-los trabalhando. Por que os chefes têm tanto medo da falta de serviço?

Mulher carregando documentos em escritório
Legenda da foto,Quantas das tarefas delegadas pelos gerentes têm um propósito real e quantas servem apenas para manter os funcionários ocupados?

Quando os funcionários recebem por hora, a maioria dos gerentes espera que eles fiquem ocupados durante o turno inteiro de trabalho. Isso pode significar completar as tarefas sob sua responsabilidade ou encontrar formas de garantir que eles estejam ocupados com algum projeto relacionado ao trabalho.

E, quando o fluxo de tarefas diminui, a mensagem da gerência geralmente é clara: encontre uma forma de continuar trabalhando. Por isso, quando os funcionários parecem estar de braços cruzados, alguns gerentes chegam com algum trabalho inútil para mantê-los ocupados.

“O trabalho inútil é aquela tarefa que não tem propósito”, segundo Randy Clark, instrutor de liderança e desenvolvimento de Indiana, nos EUA. “Ele não leva a nenhum objetivo e não melhora a pessoa, a empresa, nem a cultura.”PUBLICIDADEhttps://6d04be86dc481eb12e998025d7a46f6e.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Exemplos de trabalho inútil podem incluir a preparação de um relatório sem propósito, codificar uma planilha por cores ou conferir uma apresentação que já foi revisada. Um estudo de 2016 entre 600 trabalhadores do conhecimento — aqueles que usam principalmente seus conhecimentos, informações e inteligência para desenvolver seus trabalhos — demonstrou que eles passavam apenas 39% da jornada de trabalho cumprindo com suas tarefas reais. O restante era dedicado a reuniões, e-mails e tarefas sem propósito, como preparar relatórios para os gerentes.

Parte da questão das tarefas sem propósito deve-se ao fato de que alguns gerentes relacionam a sobrecarga de trabalho à produtividade. A ideia não é apenas que um trabalhador atarefado é dedicado e está se esforçando, mas que a sua produção em escala industrial faz com que ele tenha maior valor moral que seus colegas menos ocupados.

Isso estabelece uma dinâmica na qual dois funcionários que realizam tarefas idênticas podem ser avaliados pela sua carga de trabalho e não pelos resultados. Quem parece mais dedicado: o trabalhador atarefado que perde o almoço para terminar as tarefas ou o trabalhador eficiente que termina mais cedo e usa o tempo que sobra para fazer compras online?

Do ponto de vista dos patrões, o trabalhador atarefado muitas vezes é uma visão mais reconfortante. “As pessoas acham que estão pagando você com razão quando veem você ocupado trabalhando”, afirma Susan Vroman, palestrante de administração da Universidade Bentley, em Massachusetts, nos EUA.

Essa visão é reforçada nas empresas em que a cultura do trabalho determina que os gerentes operem com estilo autoritário, mais tradicional, desestimulando a autonomia dos funcionários. Nessas empresas, os gerentes podem também sentir pressão dos seus próprios superiores para comprovar que a sua equipe trabalha muito e é produtiva.

“Os gerentes dizem ‘preciso que meus funcionários continuem gerando trabalho para que eu saiba que eles estão fazendo valer os seus salários, porque alguém está me observando para ter certeza de que estou gerenciando bem'”, segundo Vroman.

E o trabalho remoto exacerbou essa pressão em alguns casos. Quando os funcionários começaram a trabalhar remotamente, muitos gerentes preocuparam-se com a impossibilidade de monitorar visualmente seus funcionários.

“Quando a covid-19 chegou, os patrões perceberam que não conseguiam ver seus funcionários trabalhando — logo, eles não estavam trabalhando”, acrescenta Vroman. “Eles não achavam que seus funcionários estavam sendo produtivos, mesmo se ainda estivessem gerando resultados.”

Ao mesmo tempo, os gerentes relataram perda generalizada de confiança nos seus funcionários. Uma pesquisa de julho de 2020 publicada pela Harvard Business Review concluiu que 41% dos gerentes questionavam a motivação dos seus funcionários, enquanto quase um terço deles duvidava que seus empregados tivessem o conhecimento correto ou soubessem as técnicas essenciais para que o trabalho remoto tivesse sucesso.

Quando os superiores duvidam da ética profissional dos funcionários, uma solução é microgerenciar o seu tempo com uma lista infinita de tarefas para mantê-los presos às suas mesas — mesmo se algumas dessas tarefas não tiverem razão de ser.

Homem com mesa repleta de post-it
Legenda da foto,Intervalos sem trabalho podem ser de grande benefício para os funcionários e até torná-los mais produtivos. Por que muitos gerentes são tão resistentes?

“Os gerentes podem nem mesmo saber se o funcionário terminou seu trabalho principal, mas enviam mais tarefas inúteis para ter certeza que eles não terminem [as atribuições do dia]”, afirma Barbara Larson, professora de administração da Escola de Negócios D’Amore-McKim da Universidade do Nordeste em Massachusetts.

Segundo ela, “são tarefas literalmente delegadas para garantir que os funcionários fiquem trabalhando, de forma que o gerente tenha a sensação de que eles ainda estão sob controle”.

‘Definitivamente, nós precisamos parecer ocupados’

Não são só os gerentes que relacionam a produção em escala industrial com o bom desempenho. Um estudo demonstrou que os trabalhadores do conhecimento passam em média 41% do seu tempo no trabalho com tarefas sem propósito que eles mesmos criaram e poderiam ser delegadas a outros, para parecerem mais ocupados e importantes no trabalho.

“Definitivamente, nós precisamos parecer ocupados, pois sabemos que há pessoas nos observando”, afirma Vroman.

Online, a pressão para parecer ocupado permanece, mesmo se isso significar acrescentar mais tarefas ao dia de trabalho, como enviar mensagens para comprovar que estamos logados. E, embora muitos trabalhadores consigam terminar suas tarefas com mais rapidez em ambientes de trabalho remoto, muitos ainda sentem a pressão de acrescentar trabalhos inúteis.

“Nós nos sentimos mal [não trabalhando] porque sabemos que estamos sendo pagos para trabalhar o dia inteiro”, afirma Vroman. De fato, um estudo de 2021 demonstrou que a culpa por fazer intervalos é tanta que 60% dos trabalhadores remotos norte-americanos não fazem nenhum intervalo ao longo do dia de trabalho.

A tentação de atribuir trabalhos inúteis a si próprio pode ser ainda maior entre os funcionários que temem receber tarefas sem propósito dos seus patrões se não o fizerem. Vroman afirma que as pessoas começarão a fazer coisas para parecer ocupadas “e fazer com que os patrões se afastem”.

Alguns gerentes relatam que as pausas no trabalho em ambientes remotos deixaram as equipes apreensivas. “Quando alguns dos nossos funcionários estavam trabalhando de casa, notei que eles se sentiam um pouco culpados em momentos de pouco serviço”, afirma Niall John Lynchehaun, diretor-gerente da companhia irlandesa de material de construção Midland Stone.

Ele então começou a distribuir tarefas sem propósito para que seus funcionários ainda se sentissem úteis nesses períodos mais calmos. “É simplesmente a forma mais fácil de lidar com a situação.”

Mas atribuir muitos trabalhos inúteis para reduzir a culpa pode causar a substituição de um sentimento negativo por outro. Um estudo de 2018 demonstrou que 42% dos trabalhadores passavam a metade do seu tempo com tarefas sem propósito, enquanto 71% afirmaram que os trabalhos inúteis “faziam com que eles sentissem que suas vidas estavam sendo um desperdício”.

Mulher no escritório com mesa cheia de documentos
Legenda da foto,Diversos estudos comprovaram os benefícios dos intervalos regulares ao longo do dia de trabalho

O efeito cascata das tarefas sem propósito

A longo prazo, a atribuição frequente de tarefas destinadas principalmente a manter os trabalhadores ocupados pode prejudicar a relação entre os gerentes e os funcionários.

Para Barbara Larson, “pode ser muito desmotivador para o funcionário remoto. É sinal de falta de confiança e de cuidado. A tragédia real do trabalho inútil é a oportunidade que é perdida. Existem tantas coisas benéficas para o funcionário e para a empresa que poderiam ser feitas naquele tempo.”

Essas oportunidades poderiam incluir a atribuição ao funcionário de tarefas significativas ou oportunidades de crescimento que normalmente ficam em segundo plano, como o treinamento. Poderia também significar uma oportunidade de descanso para os funcionários.

Diversos estudos comprovaram os benefícios dos intervalos regulares ao longo do dia de trabalho. Entre esses benefícios, encontram-se a redução do estresse e o aumento da concentração, criatividade e produtividade — o que é positivo para os funcionários e para as empresas.

Mas, especialmente com os funcionários remotos trabalhando por cada vez mais horas, as pilhas sem fim de tarefas sem propósito têm o efeito oposto. “O principal risco é que os funcionários sofram burnout e impactos à sua saúde mental”, afirma Vroman. “A Grande Renúncia [a tendência que levou um grande número de trabalhadores norte-americanos a deixar seus empregos durante a pandemia] é, em parte, o resultado de pessoas exaustas que não são eficientemente gerenciadas durante seu trabalho remoto por falta de flexibilidade suficiente.”

Como romper o ciclo

É claro que nem todos os gerentes defendem o trabalho inútil.

Larson, por exemplo, acredita em tarefas “baseadas em resultados” e não em tempo. Se os seus funcionários terminarem seu trabalho mais cedo ou tiverem tempo para um intervalo, ela afirma que “francamente, essa flexibilidade é parte da recompensa pelo seu desempenho”.

Essa abordagem exige concessão de autonomia para as equipes, algo que Larson descreve como “extremamente motivador”. “Tipicamente, o que acontece é que isso cria um círculo virtuoso, com as pessoas querendo fazer um bom trabalho.”

Randy Clark sugere que os gerentes precisam pensar mais a fundo sobre o tipo de tarefas que estão distribuindo para os funcionários. Durante seu treinamento de gerentes e líderes, ele os aconselha a manter os funcionários ocupados durante o horário de trabalho, mas evitar tarefas sem propósito. Para isso, eles deveriam planejar períodos de lentidão e “procurar atribuir tarefas que agreguem valor”.

Por fim, os gerentes que se sentem aprisionados em um ciclo de atribuição de tarefas sem propósito devem dar um passo atrás e pensar de forma mais ampla sobre o que os seus chefes querem deles — e não lutar para manter as pessoas ocupadas. “Eles provavelmente querem que você gere bons resultados e, com um pouco de sorte, mantenha as pessoas que estão felizes por trabalhar com você”, sugere Vroman.

O trabalho remoto pode não ter eliminado a ideia de que os funcionários pagos por hora precisam ser mantidos ocupados, mas a mudança das atitudes dos gerentes oferecem alguma esperança. Se os cronogramas flexíveis que agora são exigidos substituem as horas de trabalho por resultados, eles poderiam eliminar as tarefas sem propósito, deixando os trabalhadores mais felizes e saudáveis.

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