Psicólogo explica que procuramos informações que confirmem as nossas crenças e descartamos aquelas que são contrárias ao que acreditamos. Além disso, funcionamento das redes sociais ajuda a aumentar a polaridade entre as pessoas.

Por Clara Velasco e Gessyca Rocha/ g1.globo.com

Receitas caseiras, teorias da conspiração, montagens, informações desencontradas… Estas são apenas algumas das modalidades das fake news que se espalharam e atingiram milhões de brasileiros desde que a pandemia começou. Uma enxurrada de desinformação que só tem aumentado com a guerra na Ucrânia e a proximidade das eleições em 2022.

Uma pesquisa da Avaaz feita em maio de 2020 apontou que 9 a cada 10 entrevistados recebeu pelo menos uma mensagem falsa sobre a Covid-19. E as consequências são graves: mais de 70% acreditaram nas mensagens falsas.

Diante da “pandemia” da desinformação, as tentativas e iniciativas para desmentir as fake news aumentaram e ganharam força – como o Fato ou Fake, projeto do Grupo Globo que checa a veracidade das mensagens que estão viralizando nas redes sociais.

Mas, diante de tantas informações mentirosas circulando na internet, uma questão permanece: por que as pessoas acreditam em fake news?

Uma das principais respostas a essa pergunta vem da psicologia e se chama “viés de confirmação”, um termo proposto pelo psicólogo inglês Peter Wason na década de 1960. O viés de confirmação quer dizer que nós procuramos informações que confirmem as nossas crenças e descartamos aquelas que são contrárias ao que acreditamos.

Isso quer dizer que nós tendemos a acreditar em certas fake news apenas porque elas estão de acordo com a nossa opinião.

“Você vai ter vieses políticos, vieses de saúde e de todo o tipo. Na medida em que você desenvolve uma opinião, isso faz com que você se torne muito ligado a ela”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP.

“Vamos imaginar que estamos conversando, e você fala sobre o time de futebol ‘A’. Mas eu sou torcedor do time de futebol ‘B’. Eu vou prestar muito mais atenção e valorizar o que diz respeito ao ‘B’ do que o contrário. Quando eu ouço, quando recebo informações que não sustentam o meu sistema de interpretação, eu tento desqualificá-las.”

Segundo Nabuco, neste tipo de situação, nós usamos uma parte do cérebro que é voltada para a emoção, e não para a razão.

“Eu vejo uma fake news que fala que algo muito ruim está acontecendo, que um candidato ‘A’ ou ‘B’ fez alguma coisa. Eu me sinto impelido a consumir aquilo, e, nesse momento, eu perco temporariamente o meu juízo de valor”, diz o psicólogo.

O professor e pesquisador da UFMG Yurij Castelfranchi diz ainda que as mensagens falsas trabalham com gatilhos. “Essas mensagens te deixam em alarme, em pânico, com nojo ou revoltado. Então você sente a necessidade de compartilhar. Se preocupa com as pessoas que você gosta e quer avisá-las sobre esse perigo. Então as fake news são feitas de propósito para te dar o gatilho de querer contar para todo mundo”, diz.

Nabuco explica que esta reação é mais forte em pessoas que têm um senso menor de pertencimento social – porque não se sentem amparadas pela sua rede de relacionamentos -, baixa autoestima ou vivem em situações sociais desfavoráveis.

“Por que um indivíduo consome fake news e o outro, não? Aquele que não consome talvez tenha um bom senso de autoeficácia e conhecimento. Ele fala: ‘Não, espera um pouco. Eu estou bem, está tudo bem. Isso que estou lendo é pouco provável que esteja acontecendo’”, diz Nabuco.

“Se você estiver com depressão, se você estiver passando por um período mais agudo e sofrendo de alguma ansiedade, [você fica mais vulnerável]. E, hoje, quem não está passando por algum tipo de mal-estar ou de marola emocional por tudo que nós estamos vivendo? Então, para os criadores de fake news, isso é um prato cheio, pois torna o indivíduo muito mais apto a consumir esse tipo de informação.”

O efeito dos grupos e do coletivo

O professor Yurij Castelfranchi ainda diz que, além das questões individuais que nos fazem acreditar e compartilhar mensagens falsas, há ainda as questões coletivas, de grupo. “Todo ser humano precisa se sentir parte de um grupo. Então tem uma série de mecanismos psicológicos e biológicos que fazem com que você precise sentir que as pessoas te olham com respeito, te admirem e que você tem uma ligação de solidariedade com as pessoas”, diz.

“Então se o seu grupo social odeia certas pessoas, você vai gostar de acreditar em mensagens que falem mal dessas pessoas, não só porque você as odeia, mas porque você quer se sentir junto com o seu grupo. É o efeito manada.”

Polarização nas redes sociais

Segundo o psicólogo Cristiano Nabuco, outro ponto importante é que o funcionamento das redes sociais colabora com o clima de polarização.

“A internet colaborou de uma forma extremamente significativa, pois nós sabemos que os algoritmos customizam a informação. A partir do momento que eu entro e clico no candidato 1, gosto dele, curto, comento, o que vai acontecer? O algoritmo do programa vê que eu tenho uma preferência, e todos os outros comentários e amigos que pensam diferente são removidos do meu feed. Depois de navegar por alguns dias, eu vou jurar que o candidato 1 é o melhor”, afirma Nabuco.

“Se eu lhe encontro na rua, pergunto em quem você vai votar e você responde que é o candidato 2, aquilo vem com um ódio para mim. Como que o mundo vai votar no 1, e você, limitada, não percebeu que o 2 é um absurdo? Então os algoritmos acabam criando esse tipo de resposta intensa onde o convívio pacífico deixa de existir.”

Castelfranchi concorda que os algoritmos são feitos de uma forma para colaborar com a polarização e capturar a atenção das pessoas. “Os algoritmos dessas plataformas tendem a te dar coisas cada vez mais exageradas para você ficar cada vez mais vidrado. Se você vê uma mensagem que foi impulsionada e que, por isso, tem um milhão de compartilhamentos, você pensa que ela deve ser boa”, diz.

O que fazer para evitar cair em fake news?

Diante da situação e sabendo como o viés de confirmação funciona, uma questão que surge é como evitar acreditar em tantas mensagens falsas que circulam nas redes sociais.

Os especialistas dão uma série de dicas simples. Veja abaixo as principais:

  • Procurar informações e opiniões contrárias às nossas: “Você vai votar no candidato 1? Legal. Entra no candidato 2 e vê o que ele está falando também. Tenha contato com informações que são aparentemente incompatíveis, pois isso vai lhe dar uma opinião mais sensata e equilibrada”, diz o Nabuco.
  • Reler as informações: “Sempre que eu leio alguma coisa que eu sinto que fiquei muito irritado, que me deixou indignado, eu falo: ‘Opa, estão atuando em cima de mim. Vamos devagar. Vamos ler isso de novo. Será que isso é verdade? Isso que está escrito é factível? Será que, de fato, esse candidato ou essa pessoa falaria isso?'”
  • Checar as informações em várias fontes: “Cruzar informações, buscar a origem e ter certeza”, diz Nabuco. “Faça uma leitura lateral. Abra uma aba do lado e pesquise. Será que algum jornal falou isso?”, diz Castelfranchi.
  • Jogar um trecho da mensagem em um buscador: “Veja se aquele trecho já aparece em outras fontes. Eu sei que a maioria das pessoas que acredita em fake news não confia nos jornalistas, mas a mídia é diversa. Se ninguém fala não é porque todo mundo esconde, é porque é mentira”, diz Castelfranchi.
  • Não compartilhar caso tenha dúvida: “Na dúvida, não passar adiante, pois você também faz parte desse processo”, diz Nabuco.
  • Manter-se informado: Nabuco afirma que estar por dentro dos acontecimentos também ajuda a desconfiar e a não cair em informações falsas.

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