Por Tainá Andrade

Crescem os episódios de violência religiosa no Brasil e, entre todas as crenças praticadas no país, as que mais sofrem ataques são, disparadamente, as de matrizes africanas — umbanda e candomblé. Um relatório da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), intitulado Respeite o meu Terreiro, entrevistou 255 lideranças religiosas em todo o território nacional. A amostra — que aponta a concentração de 46% dos terreiros no Sudeste — revelou que quase 99% dos entrevistados confirmaram já ter sofrido algum tipo de ofensa.

De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os adeptos às religiões de matriz africana representam 0,3% da população brasileira, sendo que 21,1% dessas pessoas se autodeclaram pretas, o que indica uma alta concentração do grupo nas vertentes da umbanda e do candomblé. O perfil do público torna-se propenso a misturar tipos de violência, que normalmente são direcionadas à fé ou ao racismo.

A prática criminosa é confirmada por dados oficiais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), de 2021. Segundo a pasta, 571 denúncias de violação à manifestação da fé de diversas religiões foram registradas em 12 meses. Mais da metade estaria relacionada às religiões afro. No entanto, Marco Antônio Teobaldo, coordenador de comunicação da pesquisa, afirma que os números não refletem a verdadeira situação de violência a qual estão submetidos os religiosos. Isso ocorre porque, segundo ele, apesar de serem vítimas, a pesquisa evidenciou que as pessoas se sentem constrangidas em denunciar.

“O que o estudo mostra de grave é que os dados oficiais não apontam que a intolerância religiosa está em toda a sociedade brasileira, porque quando analisadas, as pesquisas oficiais são geradas por boletins de ocorrências, por notificações na polícia e quando chega nesse extremo é uma ponta do iceberg. São os terreiros onde as pessoas se sentem acolhidas e é para os líderes religiosos que contam. As lideranças que participaram apontam que existe um grande número de pessoas atacadas de forma violenta ou velada nos ambientes de trabalho, sociais e até mesmo nos ambientes públicos”, explica Teobaldo.

O levantamento revela que 78,4% dos entrevistados afirmaram ter sofrido algum tipo de violência motivada por racismo religioso. No estudo, 91,76% dos filhos e filhas de santos relataram situações vividas aos líderes religiosos. Na maior parte dos casos, as histórias não chegam às autoridades competentes, em razão das pessoas desconhecerem os canais de denúncia ou não sentirem confiança no instrumento.

“Muitas vezes [as vítimas] se sentem constrangidas de fazerem qualquer tipo de denúncia porque não veem o efeito de forma prática. Denunciam e são mal acolhidas nas delegacias ou no Disque Denúncia e preferem procurar os terreiros que é onde se sentem acolhidas. As pessoas que chegaram a fazer denúncias, na grande maioria, não estão satisfeitas com o Disque Denúncia. Os serviços sofrem variação de localidade para localidade, dentro dos pontos destacados estão: o mal atendimento, falta de retorno sobre a denúncia e impunidade”, detalha o coordenador.

Para Teobaldo, a impunidade gera uma consequência que pode ser a violência psicológica. Como os dados oficiais não geram os resultados esperados para as pessoas que estão à frente da luta pela defesa da liberdade religiosa das vertentes de matriz africana, o Renafro decidiu tornar a pesquisa anual. Além disso, em novembro, a coordenadora geral do projeto, Mãe Nilce de Iansã, participará de reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) para apresentar o relatório ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD). A ação é realizada em paralelo ao Governo Federal, que apresentará os dados das ações referentes ao período que compreende 2014 a 2017, conforme explica Teobaldo.

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PRI-1610-DESCRIMINADOS(foto: Lucas Pacifico)

Proteção jurídica

A liberdade de culto da fé é assegurada a todo cidadão brasileiro, por meio da Constituição Federal. O artigo 18 da Declaração de Direitos Humanos da ONU imputa que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção”.

No Brasil, a Lei nº 9.459 resguarda desde 1997, o direito de prática religiosa que convém ao adepto e pune quem praticar discriminação ou preconceito, com prisão de um a três anos e multa. Ainda assim, o país tem uma dificuldade, em todas as esferas sociais, de cumprir a legislação.

Gleidson Renato Dias, doutorando em direito e membro do Movimento Negro Unificado (MNU), explica que o aumento do fundamentalismo religioso, praticado de forma programática por setores neopentecostais, tem em uma de suas vertentes a intenção de aparelhamento do Estado, cujo objetivo é entrar em todos os espaços, incluindo os de poder, como o Legislativo e o Judiciário, para tentar implantar um estado cristão. As forças crescem ao ponto de ramificarem as crenças até a administração pública e aplicarem o programa cristão.

“Estamos à beira de um Estado cristão que não é conforme o Cristo, mas baseado em um fundamentalismo personalista, conservadorista, homofóbico, com uma agenda muito forte de conservadorismo e que terá tentáculos no judiciário e na administração pública”, critica.

Para o especialista, a maior dificuldade está no fato de que a maior parte da população brasileira não entende a fundo “as forças do racismo e como ele se manifesta”, o que contribui para uma falta de letramento racial e, consequentemente, uma carência técnica no momento de cumprir a lei. Outro ponto é o fundamentalismo religioso se enraizando no Estado de Direito. Para isso, a mobilização da mídia com informações corretas e a ampliação da agenda nas esferas federal, estadual e municipal é fundamental.

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