Por: Kennedy Alecrim / Redação

O que a campanha é e o que promete

Criada em 2015, Setembro Amarelo se consolidou como a principal campanha brasileira de prevenção ao suicídio, com foco em conscientização pública, redução de estigma e incentivo à busca de ajuda. A Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Conselho Federal de Medicina, coordena ações e materiais que se intensificam em setembro, mês do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

O que já foi medido no Brasil

Três avaliações recentes analisaram o desfecho mais duro possível mortalidade. Um estudo ecológico em série temporal com dados de 2011 a 2019 encontrou que a introdução do Setembro Amarelo não alterou a tendência histórica de aumento de suicídios no país e registrou picos pontuais em 2017 e 2019.

Outra análise observacional associou a intensificação de uma grande campanha nacional com elevação de tendências suicidas, fuçando contra o padrão global. Embora os autores ressaltem limitações, o achado reforça que campanhas centradas em mídia exigem cuidado metodológico e conteúdo seguro.
Em desfechos subnacionais, análise no Rio de Janeiro não mostrou queda de notificações de autoagressões após a campanha.

O que a literatura internacional mostra sobre campanhas de conscientização

Ensaios e avaliações em outros países sugerem efeitos positivos em atitudes e intenção de buscar ajuda, mas impacto pequeno ou incerto sobre suicídio consumado se a ação for exclusivamente midiática. Na Holanda, uma campanha nacional vinculada a redes comunitárias reduziu estigma e melhorou atitudes em relação a procurar serviços.
Na Noruega, campanha regional mostrou mudanças modestas e heterogêneas nas atitudes, com Sínteses amplas trazem um alerta principal. Reportagens e mensagens com ênfase sensacionalista em suicídios reais podem aumentar eventos subsequentes o chamado Efeito Werther. Já narrativas responsáveis de superação e recuperação estão associadas a redução de ideação e a melhorias em atitudes de busca de ajuda o Efeito Papageno.

À luz da teoria de mudança de atitude

A teoria contemporânea indica que campanhas podem operar por rotas de baixa elaboração periféricas ou por rotas centrais de alta reflexão. Mudanças obtidas pela rota central tendem a ser mais duráveis, resistem melhor a mensagens contrárias e predizem comportamento com mais força. Assim, mensagens que apenas repetem slogans, sem relevância pessoal clara, operam mais como pistas simples do que como argumentos, e seus efeitos se dissipam rápido.

Além da rota, importa a força da atitude formada. Atitudes fortes são mais acessíveis, certas e menos ambivalentes, o que aumenta a chance de que uma intenção se converta em ação. Campanhas que aumentam conhecimento confiável e certeza tendem a produzir mudanças de maior impacto.

Por fim, o conteúdo importa. Histórias de esperança e recuperação funcionam como argumentos diagnosticamente relevantes e podem reforçar a confiança nos próprios pensamentos pró-vida do público, maximizando a probabilidade de uso desses pensamentos em decisões futuras. Isso é coerente com a evidência do Efeito Papageno e com a noção de validação dos pensamentos.

Vantagens do Setembro Amarelo

Amplia o debate público e reduz tabu, sobretudo quando combinado a ações comunitárias e formação de redes locais. Estudos observam melhora em atitudes e intenção de procurar ajuda quando a campanha inclui mensagens claras sobre como e onde buscar suporte.
Pode fortalecer atitudes pró-ajuda mais estáveis quando mensagens são relevantes para a vida das pessoas e trazem histórias de superação alinhadas a diretrizes de comunicação segura.

Cria janela de atenção que facilita políticas de capacitação de profissionais e expansão da rede de cuidado, recomendadas por avaliações brasileiras para transformar visibilidade em impacto concreto.

Desvantagens e riscos

Efeito limitado sobre mortalidade quando a intervenção se restringe a mídia e slogans sem reforços assistenciais e comunitários. Evidências brasileiras não mostram queda consistente em óbitos após a adoção da campanha.

Risco de mensagens contraproducentes. Conteúdos detalhistas ou romantizados sobre casos reais podem induzir imitação social, elevando eventos o Efeito Werther. Diretrizes recomendam foco em esperança, recuperação e acesso a cuidado.

Sobrecarga sazonal sem capacidade instalada. Aumento de procura em setembro, sem ampliação da oferta, pode gerar frustração e reduzir a confiança em serviços. Revisões de políticas públicas sugerem que conscientização deve vir acoplada a acesso e continuidade de cuidado.
Mensagens genéricas e pouco relevantes podem produzir mudanças atitudinais fracas e transitórias que não se traduzem em comportamento, conforme previsto pelos modelos de persuasão.

Rural versus urbano: há diferenças mensuradas no impacto do Setembro Amarelo

Não há avaliações revisadas por pares identificando efeito diferencial do Setembro Amarelo entre populações rurais e urbanas no Brasil. As análises nacionais até aqui não estratificaram o impacto da campanha por território com esse nível de detalhe. Trata-se de uma lacuna específica de evidência.
O que existe é consenso internacional de que as taxas e barreiras são diferentes nessas áreas. Em países como os Estados Unidos, as taxas rurais são persistentemente mais altas, com crescimento maior desde 2000, em paralelo a acesso mais difícil a serviços. Essas desigualdades sugerem que campanhas uniformes tendem a alcançar menos quem mais precisa, caso não sejam adaptadas ao território e acompanhadas de oferta de cuidado.

Como potencializar efeitos desejáveis e reduzir riscos

Priorizar narrativas de esperança e recuperação com chamadas claras para ação e caminhos concretos de cuidado, alinhadas ao Efeito Papageno e a diretrizes de cobertura responsável.
Integrar comunicação a medidas estruturais fora do mês de setembro formação de profissionais de atenção primária e de urgência, ampliação de acesso a saúde mental e linhas de cuidado contínuas. Avaliações brasileiras apontam essa necessidade.

Construir redes locais e componentes comunitários, como mostrou a experiência europeia, associando campanhas a coordenação territorial e treinamento gatekeeper.
Adaptar conteúdo para públicos de difícil acesso, incluindo trabalhadores do campo, povos indígenas e periferias urbanas, com linguagem, canais e serviços próximos ao território. Evidências de saúde rural sustentam a prioridade.

Monitorar resultados com indicadores que vão além de curtidas ou alcance midiático, medindo atitudes fortes acessibilidade, certeza e intenção de ação e, quando possível, desfechos clínicos e de uso de serviços.

Conclusão

Como instrumento isolado de mídia, Setembro Amarelo tende a melhorar atitudes e intenções de ajuda, mas não demonstra, por si, reduzir mortalidade. A teoria de mudança de atitude indica que impacto comportamental exige mensagens relevantes e seguras, fortalecimento da rede de cuidado e estratégias contínuas que transformem atenção momentânea em atitudes fortes e ações sustentadas. Em territórios rurais, onde o risco é maior e o acesso é menor, a adaptação territorial e o reforço assistencial são decisivos para que a conscientização se traduza em vidas salvas.

Referências

Cruz, W. G. N., Jesuino, T. A., Moreno, H. F., Santos, L. G., & Galvão-de Almeida, A. (2024). Analysis of the impact of the Brazilian suicide prevention campaign “Yellow September”: An ecological study. Trends in Psychiatry and Psychotherapy, 46, e20220564. https://doi.org/10.47626/2237-6089-2022-0564

Mohn, C., Haga, E., Wernoe Nilsson, H. S., Pirkis, J., & Mehlum, L. (2024). Change in attitudes after a suicide prevention media campaign in the Mid-Norway region. BMC Psychiatry, 24(1), 444. https://doi.org/10.1186/s12888-024-05905-x

van der Burgt, M. C. A., Beekman, A. T. F., Hoogendoorn, A. W., Berkelmans, G., Franx, G., & Gilissen, R. (2021). The impact of a suicide prevention awareness campaign on stigma, taboo and attitudes towards professional help-seeking. Journal of Affective Disorders, 279, 730–736. https://doi.org/10.1016/j.jad.2020.11.024  

Niederkrotenthaler, T., Braun, M., Pirkis, J., Till, B., Stack, S., Sinyor, M., Tran, U. S., Voracek, M., Cheng, Q., Arendt, F., Scherr, S., Yip, P. S. F., & Spittal, M. J. (2020). Association between suicide reporting in the media and suicide: Systematic review and meta-analysis. BMJ, 368, m575. https://doi.org/10.1136/bmj.m575  

Niederkrotenthaler, T., Till, B., Kirchner, S., Sinyor, M., Braun, M., Pirkis, J., Tran, U. S., Voracek, M., Arendt, F., Ftanou, M., Kovacs, R., King, K., Schlichthorst, M., Stack, S., & Spittal, M. J. (2022). Effects of media stories of hope and recovery on suicidal ideation and help-seeking attitudes and intentions: Systematic review and meta-analysis. The Lancet Public Health, 7(2), e156–e168. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(21)00274-7  

Petty, R. E., Briñol, P., Fabrigar, L. R., & Wegener, D. T. (2019). Attitude structure and change. In E. J. Finkel & R. F. Baumeister (Eds.), Advanced social psychology: The state of the science (2nd ed., pp. 117–156). Oxford University Press.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui