Por – Christian Jarrett – Editor da revista Psyche – BBC News – Brasil
Parece que já vivemos nestes “tempos incertos” há anos.
Meses atrás nossas rotinas foram interrompidas e fomos forçados a nos adaptar.
E uma consequência importante é o estado de fadiga mental. Ficou mais difícil nos concentrarmos por um longo período de tempo e parece que estamos em um estado coletivo de distração quase constante.
“Senti como se tivesse um bloqueio mental que me impedia de me concentrar”, diz a escritora e leitora assídua Sophie Vershbow.
Ela entrou nesse estado de espírito no início da pandemia, e seu tuíte admitindo que ela não conseguia se concentrar o suficiente para ler um livro recebeu mais de 2 mil “curtidas”.
Mas ela não está sozinha. Faça uma busca rápida na internet e você encontrará uma enxurrada de artigos recentes sobre pessoas que não conseguem se concentrar, a prevalência da “névoa cerebral” e as diferentes formas de perda de concentração.
Claro, muito desse sentimento subjetivo de distração mental concentra-se nos aspectos práticos da vida hoje.
Para muitas pessoas, especialmente pais e mães, a mudança repentina para o trabalho em casa significou uma intensificação do conflito entre o trabalho profissional e a vida doméstica .
É difícil se concentrar em uma planilha enquanto seus filhos lutam pelo controle remoto da TV.
Mas parece haver mais do que isso. Mesmo quando o dia de trabalho termina e as crianças estão na cama, ainda é difícil escapar com a ajuda de um bom livro.
A teoria
Existe uma teoria psicológica, originalmente aplicada no contexto da aprendizagem, que pode ajudar a explicar por que viver na era de covid-19 pode ter transformado nossas mentes em uma mistura de coisas.
É chamada de teoria da carga cognitiva e foi desenvolvida pela primeira vez pelo psicólogo educacional australiano John Sweller.
Nossas mentes são como sistemas de processamento de informações. Quando estamos trabalhando em um problema, principalmente desconhecido, dependemos de nossa “memória de trabalho”, que é muito limitada tanto em sua capacidade de armazenamento quanto no tempo de retenção de dados.
Quanto menos familiarizado você estiver com uma tarefa, mais dependerá de sua memória de trabalho para tentar conciliar informações relevantes e encontrar uma solução.
Por outro lado, quando você é um especialista, a maior parte do que você precisa saber é armazenado na memória de longo prazo e você pode concluir a tarefa no “piloto automático”.
Novas tarefas, novos níveis de estresse
A teoria da carga cognitiva fornece uma estrutura útil para a compreensão das diferentes maneiras pelas quais a pandemia pode estar causando estragos na função mental.
Primeiro, nos força a adotar novas rotinas e rouba a capacidade de fazer as coisas automaticamente.
Por exemplo, em uma reunião de trabalho anterior, a pessoa simplesmente aparecia e entrava na discussão.
Agora, se esse mesmo indivíduo trabalhar remotamente, ele terá que iniciar seu software de videoconferência, se preocupar com a conexão com a internet, ajustar seus horários para possíveis atrasos, etc.
O mesmo se aplica a desafios domésticos, como fazer compras online, em vez de pessoalmente no supermercado.
Essas adaptações forçadas nos forçam a sair do piloto automático e exigem nossa capacidade limitada de memória de trabalho.
Para essa teoria, a “carga cognitiva” intrínseca exigida em grande parte do que fazemos aumentou.
Passamos a maior parte do nosso tempo obrigados a pensar deliberada e conscientemente, mais como novatos do que como especialistas, o que é desgastante em si.
Em segundo lugar, pesquisas baseadas na teoria da carga cognitiva afirmam que as emoções podem interferir no processamento da informação.
Quando estamos ansioso, por exemplo, a capacidade da memória operacional é reduzida. Isso torna mais difícil resolver qualquer problema mental que requeira uma resolução consciente.
Algo como quando fazemos uma prova e ficamos nervosos. Isso confunde o cérebro e esse estado de espírito torna difícil resolver fatos matemáticos ou escrever uma frase coerente.
Terceiro, essa teoria fala de “carga cognitiva externa”. É sobre a exigência da capacidade de nossa memória de trabalho imposta por distrações que não são diretamente relevantes para o que estamos tentando fazer.
Essas alterações podem ser apenas tarefas secundárias básicas executadas em segundo plano, como ouvir o boletim informativo enquanto trabalhamos.
O que está acontecendo agora é que as interrupções diárias causadas pela pandemia forçam as pessoas a usar sua capacidade de memória operacional com mais frequência.
Quando você está mais estressado e os níveis de ansiedade aumentam, ou quando você está fazendo malabarismos com várias tarefas e compromissos, sua capacidade de memória operacional diminui.
É o pior dos dois mundos e outra razão pela qual você pode se sentir mentalmente esgotado.
Fator Covid-19
Normalmente, em um momento de conflito, podemos resolver o problema rapidamente e a carga cognitiva torna-se mais administrável.
O que surpreende sobre a vida nesta pandemia é que a situação continua mudando.
Governos em todo o mundo estão constantemente implementando restrições diferentes e mais complexas.
Regras de viagem, instruções de auto-isolamento, listas de observação de sintomas, novos aplicativos de smartphone, etc.
Não há um dia que passa sem ouvirmos alguma mudança.
“Qualquer situação nova impõe uma carga cognitiva em nossos cérebros, mas o fato da covid-19 ter um impacto tão amplo na sociedade nos forçou a absorver novas informações mais rápido do que éramos capazes”, explica Samuli Laato, pesquisador da Universidade de Turku, na Finlândia, que estuda o papel da carga cognitiva no comportamento de compra incomum das pessoas durante a pandemia (panic buying ou compra por pânico) e na troca generalizada de desinformação.
Ele explica que “em geral, a incerteza sempre aumenta a carga cognitiva. Fatores estressantes como a ameaça à saúde, o temor do desemprego e o medo de choques no mercado consumidor causam isso”.
“Além disso, políticas de trabalho remoto foram introduzidas globalmente, o que exigiu que as pessoas se adaptassem às novas tecnologias e a uma nova forma de trabalhar em conjunto”, acrescenta Laato.
Planejamento e autodisciplina
Felizmente, interpretar o efeito de exaustão mental da vida pandêmica pelas lentes da teoria da carga cognitiva nos dá algumas estratégias simples e eficazes.
Primeiro, tente estabelecer novas rotinas e mantê -las, de modo a não usar constantemente a capacidade da memória de trabalho para tarefas cotidianas.
Por exemplo, recentemente investi em um sistema de internet sem fio com repetidores que reduziu a interferência em chamadas de vídeo e reservei um tempo para ler sobre os diferentes recursos das várias plataformas de conferência virtual.
Ao compreender esses tipos de blocos de construção necessários durante a pandemia, não precisamos mais desperdiçar nossa capacidade cerebral com eles.
Em segundo lugar, como estamos passando por uma era de maior ansiedade e incerteza, é importante colocar um esforço extra no controle do estresse para que sua memória de trabalho não seja constantemente sobrecarregada por preocupações.
Isso significa comer bem, fazer exercícios e estabelecer uma rotina regular para dormir, além de encontrar tempo para atividades relaxantes.
Conforme a situação permitir, planos de contingência podem ser feitos para diferentes aspectos de sua vida. Fazer preparativos realistas para cenários temidos pode ser um grande alívio para a ansiedade.
Além disso, dê ao seu cérebro uma pausa das atualizações diárias dos números da pandemia.
Você pode considerar reservar dias (ou pelo menos tardes ou noites inteiras) para evitar qualquer conversa ou informação relacionada à covid-19.
Por fim, é importante aliviar a pressão sobre a memória de trabalho desconectando qualquer “carga cognitiva externa”.
Isso significa se esforçar mais para organizar seu tempo e ser disciplinado com distrações.
Procure reservar momentos do dia dedicados a diferentes tarefas, sejam elas de trabalho ou domésticas.
Por exemplo, durante o trabalho, é melhor não deixar a televisão ou o rádio ligados com as notícias de fundo.
Ao brincar com crianças, não fique com o celular ao lado, ou pelo menos não verifique e-mails ou Twitter.
Permita que a mente se concentre em uma coisa de cada vez e a recompensa será uma sensação de esgotamento mental menor.
Parece que ainda vamos viver nesta era pandêmica por algum tempo.
Embora a ansiedade e a anormalidade constantes sejam mentalmente exaustivas, pode ser reconfortante saber que não somos os únicos a se sentir assim.
Nossos cérebros têm um poder de processamento limitado que está sendo levado ao limite agora, mas com um planejamento cuidadoso e autodisciplina, existem maneiras de reduzir a carga cognitiva e redescobrir como focar.
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