Por: Beatriz Montesanti – Folha Uol – SÃO PAULO

Executivos reunidos na BR Angels colocam seu próprio dinheiro na inovação

Foi ainda no ano passado quando Orlando Cintra reuniu em um almoço um grupo de amigos executivos para falar sobre incentivos ao empreendedorismo. De lá para cá, os juros no país caíram a níveis recordes, a pandemia acabou com alguns negócios, enquanto outros surgiram e se reinventaram com a tecnologia. Nesse cenário surgiu o BR Angels, grupo de investidores-anjos que reúne mais de 100 presidentes de grandes empresas no Brasil e resultado daquele almoço em 2019.

A ideia da organização é reunir a experiência corporativa para realizar investimentos inteligentes em startups ainda em fase inicial. O investimento-anjo consiste no primeiro aporte, ou um dos primeiros, que essa empresa recebe quando ainda está validando seu produto ou modelo de negócio e explorando o mercado.

Segundo Cintra, o objetivo do BR Angels é não apenas colocar o dinheiro, mas principalmente oferecer a expertise de seus integrantes, executivos de estrada, para novos empreendedores, ajudando assim seus negócios a de fato prosperarem.

Chiligum raises US$365K with GVAngels and BR Angels

Entre os associados estão Renato Franklin, da Movida, Bruno Serapião, presidente do Conselho da Hidrovias do Brasil, Monica Herrero, conselheira da Stefanini e Claudio Raupp, da HP.https://s.dynad.net/stack/928W5r5IndTfocT3VdUV-AB8UVlc0JbnGWyFZsei5gU.html[ x ]

A organização que fez o primeiro aporte em abril fechará o ano tendo investido R$ 12,5 milhões em oito startups. Cada uma recebe um tíquete de aproximadamente R$ 1,5 milhão, que é rateado entre todos os investidores da rede.

Orlando Cintra – Fundador do BR Angels, é membro do conselho da SMARTIe (Solvi Ambiental), Solstic Advisors e HyperloopTT. Foi presidente para a América Latina da SAP, HP e Informática Corp.

Seu fundador acredita que o ecossistema de investimento tenha sido favorecido não só pelos baixos juros, mas também por uma espécie de “filtro” que surgiu devido à pandemia.

“O Brasil viveu um momento de boom de investimentos em geral, e isso trouxe como efeito colateral o surgimento de muitos novos negócios. Aí virou uma coisa de precisar depurar muito para achar os bons”, diz.

“Quando chegou a pandemia, isso deu uma apurada. As startups estão pensando planos melhores, porque o dinheiro ficou mais escasso em um primeiro momento. Cada vez mais o ecossistema está se preocupando em não investir em qualquer coisa, aprendendo a investir melhor.”

Como surgiu o BR Angels?

Eu sou da área corporativa, ocupei posições de presidência e vice-presidência em empresas de tecnologia e sempre tive contato com startups nessas corporações. E eu sempre vi nos executivos, nas lideranças, um brilho nos olhos para falar com startups, mas muito pouca intimidade e conhecimento com o setor.

No outro lado, quando eu comecei a fazer investimento-anjo, percebi que era um mundo super legal, de empreendedores fantásticos começando suas empresas, precisando de capital, mas sobretudo precisando de conhecimento, de experiência e mentoria. Esses dois mundos não conversavam muito bem.

No dia 20 de maio de 2019, não faz muito tempo, mandei WhatsApp para sete amigos perguntando o que eles achavam de saber mais sobre o mundo de investimento-anjo e criar um programa de mentoria forte, colocando um dinheiro inteligente que funcione nas startups.

Fizemos um almoço, esses amigos falaram que topavam, queriam aprender mais sobre isso e poderiam trazer mais amigos para começar esse grupo. De sete viraram dez, que viraram 20, 40. Fechamos uma primeira leva de 50 pessoas, e hoje somos mais de 100 associados. Cresceu muito rápido.

Qual é o diferencial em relação a outras redes de investidores-anjo?

Temos um DNA, uma pegada muito forte de presidentes-executivos, grandes empreendedores que têm conhecimento e podem colocar nas startups, além do capital financeiro. É também um grupo de homens e mulheres que já são seniores e querem aprender sobre inovação, conhecem pouco do dia a dia do que é um pequeno negócio.

Nosso bordão é: “já imaginou ter mais de 100 presidentes-executivos ajudando sua startups?” Ninguém consegue pagar por isso, mas é o que fazemos.

Como você se tornou investidor-anjo?

Na minha carreira enquanto executivo de tecnologia eu tinha muito contato com startups e sentia que elas pediam alguma mentoria, e que mesmo aquele conhecimento que para mim como executivo não era algo super importante ou diferente, para as startups era “uau, que legal, como fez diferença para mim.”

Logo em seguida comecei através da Anjos do Brasil, que foi a primeira rede que eu participei e entendi como funcionava, acho que eles fazem um trabalho magnífico no mercado em termos de evangelização, mostrando que o investimento-anjo é algo que pode começar com valores baixo. Você não precisa de milhões para investir em uma startup.

Pensei que era uma forma de, primeiro, fazer diferença para o negócio de alguém. Segundo, colocar um valor financeiro e eventualmente ter retorno e, terceiro, era uma forma de devolver à sociedade aquilo que de certo modo eu conquistei enquanto sucesso na minha carreira, e fazer um Brasil melhor, ajudando a dar certo negócios que precisam de muito suporte.

Como 100 executivos se organizam para escolher como investir juntos?

Quando falamos que somos mais de 100 CEOs, é super legal do ponto de vista de matéria-prima para o mercado, por outro lado, traz uma complexidade muito grande, porque você imagina, são 100 homens e mulheres super inteligentes e com perfil de liderança muito forte.

Para dar certo, a gente criou uma governança muito democrática. Começando pelas plenárias, em que trazemos startups uma vez por mês, agora selecionamos oito por mês em dois grupos de avaliação. Nessa plenária todos os associados que participam votam se querem olhar mais a fundo ou se querem reprovar. Se 50% mais um votarem sim, avaliamos, se não, declinamos.

Quando decidimos avaliar, os associados formam um grupo menor de 15 pessoas, considerando os conhecimentos específicos de cada um. Se é uma startup de saúde, participam desse grupo associados de empresas da área, que conhecem melhor esse negócio. Esse grupo trabalha por um mês para concluir se o negócio vale a pena investir ou não.

É um processo que é interessante por dois lados: de um, como eu tenho associados com experiências diferentes, eu consigo ter uma pluralidade muito grande de bagagens e expertise para fazer essas avaliações. Segundo, eu tenho também esses associados aprendendo cada vez mais sobre inovação e startup e eles acabam levando isso para suas empresas também.

Feita a avaliação, decidimos em um comitê se vamos para frente, e aí todos os associados votam. Ou seja, são pelo menos quatro níveis de seleção, em que fazemos um raio-x, falamos com clientes, avaliamos segmento, discutimos com empreendedores e tentamos conhecer bem os sócios-fundadores das startups.

Hoje estamos fazendo tudo 100% remoto, a pandemia trouxe esse efeito colateral positivo, de ficarmos muito mais ágeis. Percebemos que o número de pessoas participando aumentou 30%. Porque antes era presencial e tinha todos os problemas de deslocamento. Como tem muito executivo, a agenda é super complicada.

Quantas startups passam por esse crivo?

Entre todas as startups que chegaram ao BR Angels, decidimos investir em 1% até agora. Para mim é uma métrica super saudável e significa que estamos de fato selecionando o “crème de la crème”. São mais de mil startups avaliadas e estamos crescendo esse número exponencialmente. E quanto mais conhecidos ficamos, mais vai aumentando essa boca do funil.

Quem são esses investidores? Quais são os critérios para fazer parte do grupo?

O BR Angels é um grupo de investimento-anjo, não é um fundo, então opera de forma diferente. Em um fundo você sai captando investidores, e em um grupo de investimento, não, você aceita investidores considerando determinados critérios.

O que usamos muito é indicação da nossa própria base. Primariamente executivos e executivas de grandes empresas, ou grandes empreendedores, e que possam agregar valor em startups seja em que segmento for. Pode ser saúde, mineração, petróleo… mas é preciso uma carreira sólida com bastante conhecimento. Pode ser jovem também, temos um executivo jovem do segmento de games, é super interessante para o BR Angels.

O nosso segundo critério é ter vontade de fazer o investimento-anjo, que não é tradicional, é um investimento em que você se doa muito. Já existe uma ação para a partir de janeiro talvez aumentarmos mais uma turma. Temos mais de 30 CEOs querendo entrar no BR Angels, e aí seriam três reuniões com duas startups.

O que motiva um executivo com uma carreira sólida a se tornar um investidor-anjo, considerando o risco?

De certa forma a grande parte dos CEOs, presidentes, já têm certa realização, seja financeira ou seja de carreira. Eu tinha também essa dúvida no começo, para ser bem sincero, de pensar: “poxa, será que vai ser só um verão aqui?”. E claramente não é.

A primeira coisa é que eles têm curiosidade de sair um pouco da caixa corporativa. Quem é empresário já tem uma veia mais empreendedora e solta. Quem é executivo, vem das regras da corporação. Ele tem curiosidade sobre inovação. E uma vez que ele entre nisso ele percebe que aprende demais. Passa a ter outro papel no ecossistema que não só de executivo, começa a mudar a mentalidade, a notar que não é só aquela vidinha corporativa, que as coisas são daquele jeito.

Fico impressionado de ver o tempo e energia que eles dedicam às startups. São duas, três, quatro, cinco horas por semana que esse executivo está lá, tirando o tempo da família, de outros trabalhos, para discutir startup. O que temos como laboratório é muito grande.

Startups crescem na pandemia

Estudantes usam a plataforma Geekie One desenvolvida para escolas particulares que precisam adotar ensino à distância durante a pandemia
Estudantes usam a plataforma Geekie One desenvolvida para escolas particulares que precisam adotar ensino à distância durante a pandemia Renato Stockler/Divulgação

O que buscam ao selecionar as startups?

O primeiro ponto é padrão de mercado: olhamos o empreendedor, que é quem faz a diferença no estágio que a gente investe. Esse sócio, ou grupo de sócios, tem que encantar, tem que fazer a diferença, serem homens e mulheres brilhantes.

Cito como exemplo a Deborah Folloni, fundadora da Chiligum [startup que automatiza vídeos publicitários]. Lembro de uma plenária em que ela se apresentou. Depois na discussão só entre os executivos teve uma pessoa que falou: “adorei, a Débora é boa, mas parece que a startup depende muito dela. E se amanhã um ônibus passa em cima, o que acontece?” Eu respondi que o ônibus vai capotar, porque ela é fantástica. É isso que a gente busca.

O segundo ponto é onde nós fazemos a diferença na startup, o quanto nós podemos de fato ajudar. De nada adianta uma startup maravilhosa, que tem empreendedores muito bons, se ela for de um segmento que só 10% do BR Angels conhece. Aí 90% não vai colocar nenhum valor.

Um ponto muito importante aí é também não conseguirmos entregar o nosso potencial de mentoria, porque a gente sente que o empreendedor não vai receber bem. Já nos deparamos com empreendedor muito bom, mas confiante a ponto de beirar a arrogância. Vamos falar, e a pessoa vai responder que já sabe o que tem que fazer. Aí não funciona.

E o terceiro critério é ser um negócio digital e escalável. Não olhamos negócios de economia real, apesar de haver muitos super atrativos. Também não investimos em startups que exigem um ticket muito alto, como é o caso muitas vezes no setor de infraestrutura ou em startups B2C (sigla para se referir a negócios voltados ao consumidor final).

Como funciona o processo da mentoria dali em diante feita por tantas pessoas?

Primeiro a gente sempre negocia com a startup quem será o executivo que vai assumir o papel de conselheiro consultivo, que será alguém mais próximo àquela área de atuação. Por exemplo, para a MindMiners [startup de pesquisa digital], enviamos o Vittorio Danesi, presidente da Simpress .

O Danesi fecha uma agenda com eles e define como vai ser esse acompanhamento. Diagnosticando problemas e ajudando a encaminhar. Por exemplo, ele vai lá e fala: “sua parte de talento e gestão precisa de ajuda, falta política de recursos humanos, deixa eu chamar o grupo de talento e gestão do BR Angels para ajudar. Também abre portas com outras empresas, acionando a rede de contatos do BR Angels. O conselheiro vai orquestrar em que momento a startup precisa do quê.

Vocês têm um olhar para a diversidade?

Hoje a grande maioria dos investidores é do Sudeste, mas agora tenho também do Nordeste. Não fosse a pandemia, não investiríamos tanto no remoto, e não fosse o remoto, não teríamos investidores do Nordeste.

Nós temos também a intenção de criar um terceiro grupo de investidores que tenha como tese o propósito. Acho que os negócios que não estão se preparando para de alguma forma estar a frente disso, vão perder valor. Nós já avaliamos em plenárias como as startups olham para a questão da diversidade. Tem empresa que ainda não está pensando nisso.

Mas enquanto empreendedores, temos apenas uma mulher, que é a Deborah Folloni. É pouco, tem que fazer mais, e não só nas startups, mas precisamos fazer também um esforço grande do lado dos associados.

Como avalia o ecossistema atual de startups no Brasil?

O Brasil está bem atrás quando a gente compara com Estados Unidos e outros países, mas olhando o copo meio cheio, acho um momento super especial, com grande aceleração nos últimos anos. Nossos números de investimento já bateram o ano passado em novembro, e esse é um ano de pandemia.

Isso tem diversos motivos: um óbvio é o dinheiro fácil. Investimentos em CDI, renda fixa, estão escassos, então as pessoas estão arriscando mais.

Outro lado é que as startups estão melhorando em qualidade. O número de unicórnios vem crescendo, e o Brasil vem aparecendo nos últimos anos em gráficos globais.

Como a pandemia afetou esse ecossistema?

O Brasil viveu um momento de boom de investimentos em geral, e isso trouxe como efeito colateral o surgimento de muitos novos negócios. Aí virou uma coisa de precisar depurar muito pra achar os bons. Eu tinha a sensação de haver poucas startups muito boas.

Quando chegou a pandemia, isso deu uma apurada. As startups estão pensando planos melhores, porque o dinheiro ficou mais escasso em um primeiro momento. Cada vez mais o ecossistema está se preocupando em não investir em qualquer coisa, aprendendo a investir melhor, essa é minha percepção.

Qual é sua expectativa para um pós-pandemia, como manter esse ritmo de crescimento?

As expectativas de diminuição dos investimentos durante a pandemia não se concretizou. Pelo contrário, acelerou. Na minha opinião, vai continuar, principalmente ano que vem. Mas precisamos selecionar bem os negócios, para não criar bolha e entrar em qualquer coisa.

Queria chamar atenção para a Vuxx, uma startup de logística que neste ano cresceu mais de 200%, o que é impressionante. Vários negócios tiveram aceleração muito forte e acho que isso vai continuar.

Vemos movimentos do governo, a passos lentos, mas vamos ter marcos aprovados em breve. Tem mais gente profissional entrando na área, prova disso é o BR Angels.

O que eu diria para quem quer ser investidor-anjo é nunca investir sozinho. O Brasil tem mais de 20 redes de investimento-anjo, todas muito boas. Também sempre invista com propósito, o anjo não está lá só pelo nome, tem que se envolver, se doar.

E continuar investindo para que o dinheiro continue fluindo em todas as etapas da cadeia. Se continuarmos nessa linha, acho que nos próximos dois, três anos, vamos bem.

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