Você é passivo-agressivo? Identificar e lidar com esse traço de personalidade tão presente no dia a dia do trabalho é importante para a saúde mental

Por Paula Lima, da VOCÊ S/A

No segundo semestre do ano passado, a Adobe — empresa desenvolvedora de software com sede na Califórnia, Estados Unidos — divulgou o resultado de uma pesquisa sobre hábitos relacionados ao uso do e-mail. Entre outras informações, o estudo realizado com cerca de 1 000 executivos americanos apontou quais são as frases mais irritantes que as pessoas utilizam nas mensagens endereçadas aos colegas de trabalho.

Na lista das campeãs aparecem “Não sei se você viu o meu último e-mail”, “Alguma novidade?”, “Como dito anteriormente” e “Desculpe pelo e-mail duplicado”. Essas expressões causam um tremendo desconforto nos destinatários porque carregam, nas entrelinhas, uma crítica velada, uma cobrança sutil ou uma provocação educada — características de um comportamento classificado pela psicologia como passivo-agressivo.

Quem apresenta esse tipo de personalidade tenta fugir do confronto direto em qualquer relacionamento, seja em casa, seja no trabalho. São pessoas que não têm coragem de expressar seus desejos e opiniões — por isso, concordam com o outro pela frente e reclamam dele pelas costas. “Isso cria uma desconexão entre o que elas dizem e o que fazem”, afirma Isabel Silva, psicóloga e consultora de carreira da Career Minute.

No ambiente profissional, um funcionário que age assim é aquele que se opõe a um plano proposto por um colega, mas não verbaliza isso e acaba oferecendo apoio. “Como discorda do projeto, ele resiste em segui-lo e toma atitudes capazes de sabotá-lo”, diz Isabel.

Perder o prazo de entrega propositalmente, chegar atrasado às reuniões e colocar vários obstáculos na hora de executar as próprias tarefas são algumas delas. “Uma pessoa passivo-agressiva não gosta de cumprir regras”, afirma.

Nessa situação, ao ser questionado pelo chefe, o “sabotador” não assume sua responsabilidade pela falha e costuma se fazer de vítima, alegando que está sobrecarregado ou que é cobrado injustamente. Também pode dar uma resposta irônica ou mal-humorada, o que gera um clima desconfortável entre as partes.

Além de minar a credibilidade, o comportamento passivo-agressivo traz consequências negativas para a equipe. “Ele cria um ambiente tóxico capaz de atrapalhar a produtividade, provocar insegurança e adicionar tensão aos relacionamentos”, afirma Livia Marques, psicóloga organizacional e coach.

Solitário, ansioso e inseguro

A passivo-agressividade já foi considerada um transtorno mental no passado. Hoje é vista pela comunidade científica apenas como um traço de personalidade que começa a ser desenvolvido na infância, por influência da família.

“Se, ao manifestar emoções e vontades, a criança é repreendida pelos pais com ironia ou violência, por exemplo, há chances de ela se tornar um adulto que vai se relacionar de forma passivo-agressiva”, diz Isabel Silva. Perfeccionismo e medo excessivo do fracasso, do sucesso ou da rejeição também estimulam esse comportamento.

No entanto, é difícil detectar, à primeira vista, se o colega que senta a seu lado tem atitudes passivo-agressivas — até porque esse assunto ainda não recebe a devida atenção dentro das empresas. Mas uma coisa é certa: o passivo-agressivo sempre deixa rastros pelo caminho.

Alguém com essa personalidade geralmente é pessimista, crítico, pouco flexível, vive inventando intrigas e fica “em cima do muro” quando precisa opinar sobre um determinado tema. “Adotar esse comportamento é uma forma de se proteger, já que, ao blindar nossos desejos, criamos uma barreira contra a vulnerabilidade”, diz o coach Flávio Resende.

Se ter uma pessoa dissimulada na equipe já é capaz de azedar o clima e comprometer a produtividade do grupo, mais complicado ainda é lidar com um gestor que age de maneira passivo-agressiva. Ângela*, de 29 anos, analista de sistemas, sentiu o problema na pele. O chefe de um projeto no qual ela atuava dizia ficar contente com seu trabalho, mas vivia falando mal dela para os colegas.

Como se não bastasse, o gestor a envolvia em piadas inapropriadas sempre que tinha oportunidade. “Uma vez fiquei tão irritada que manifestei minha insatisfação. Ele me respondeu ‘calma, é brincadeira. Acha mesmo que eu estava falando sério? Que ingenuidade!’”, diz Ângela.

O relacionamento ficou desgastado e a analista pediu demissão nove meses depois, com o apoio da equipe. “Achei que fosse crescer na empresa, mas percebi que minha saúde mental era mais importante do que o emprego. Até cheguei a conversar com o RH, mas, como nada mudou, resolvi sair.”
Segundo a psicóloga Isabel Silva, é difícil sobreviver quando o passivo-agressivo ocupa uma posição de comando — a menos que você caia nas graças dele. “Esse tipo de chefe costuma ser solitário, ansioso e inseguro. O comportamento dele pode gerar assédio moral, sofrimento psicológico e até depressão”, afirma.

Segundo ela, a melhor alternativa nessa situação é se esforçar para que o gestor se sinta seguro — isso porque um passivo-agressivo tende a baixar a bola quando confia nos outros. “Demonstre atitude positiva diante das demandas, seja resiliente, apresente soluções para os problemas do dia a dia e convide-o a entender seus motivos quando for expor ideias contrárias às dele.”

Se nada mudar, avalie se o emprego traz benefícios que superam os custos de administrar um chefe complicado. Se não for o caso, siga outro rumo.

VOCÊ S/A

Duas caras, eu?

Admitir a própria passivo-agressividade não é uma tarefa simples, mas importantíssima para o desenvolvimento pessoal. Esse foi o caso de Andréa*, de 46 anos, administradora que atua na área de eventos.

Ela sempre teve dificuldade em dizer “não” e em manifestar seu descontentamento nas relações profissionais. Para se proteger, achava melhor concordar com as decisões alheias do que expor suas opiniões. No entanto, procrastinava as tarefas, reclamava da gestora e, ainda que inconscientemente, fazia algum detalhe dos projetos dar errado.

“Sentia prazer em me vingar da minha chefe, me orgulhava da minha rebeldia. É como se dissesse a ela ‘você não é tão boa quanto acredita’”, afirma. Andréa sentia medo de assumir responsabilidades e era insegura para estabelecer seus próprios objetivos de carreira.

Embora seu comportamento nunca tenha causado um dano grave à companhia, ela percebeu que era passivo-agressiva quando começou a fazer psicoterapia, depois da morte da mãe. “Vivia me fazendo de vítima e reclamando que todo mundo era promovido, menos eu. Com o tratamento, tive coragem de olhar para dentro e ver que, se eu quisesse um futuro melhor, tinha de correr atrás em vez de ficar me lamentando”, diz.

Hoje, Andréa segue na mesma empresa e não tem mais fama de “duas caras” entre os colegas. “Aos poucos, minha líder percebeu que estou madura e confiante. Sempre que me pego sendo passivo-agressiva, respiro fundo e mudo conscientemente a rota. É um compromisso que tenho comigo mesma.”

Buscar apoio é importantíssimo para se relacionar melhor com as pessoas e evitar problemas emocionais, como a depressão. Afinal, um passivo-agressivo sofre porque recebe de volta a hostilidade que direciona e incita nos outros.

Entender a origem desse comportamento é o primeiro passo para mudá-lo. O segundo é trabalhar a autoconfiança. E vale ressaltar que conflitos sempre existirão no ambiente de trabalho ou fora dele — e não há nada de ruim nisso, desde que se respeitem as próprias posições e as dos demais.

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