Por: Kennedy Alecrim / Redação

Os chamados transtornos mentais comuns são mais frequentes do que parecem. Eles incluem sintomas de ansiedade, insônia, fadiga constante, irritabilidade, dificuldade de concentração e queixas físicas sem causa aparente. Muitas vezes são interpretados como parte natural da rotina de trabalho pesado, mas na verdade representam sinais de sobrecarga psíquica. Estudos clássicos mostram que esses transtornos estão entre os problemas de saúde mais prevalentes em populações expostas a pressões contínuas, como no meio rural, onde a jornada de trabalho, as incertezas econômicas e o isolamento social criam terreno fértil para o sofrimento (Goldberg e Huxley, 1992; Lima, 1999).

Quando os estressores ocupacionais se acumulam e ultrapassam a capacidade de enfrentamento individual, esses sintomas silenciosos podem evoluir para a depressão ocupacional. Nesse estágio, o agricultor passa a experimentar humor persistentemente deprimido, perda de interesse pelas atividades, sensação de inutilidade e esgotamento diante das demandas. A Organização Mundial da Saúde já reconhece que depressão e ansiedade figuram entre as principais causas globais de perda de produtividade, afetando especialmente trabalhadores de setores de alta exigência, como a agricultura (OMS, 2017).

O risco se torna ainda maior quando se considera o estigma que recai sobre o produtor rural. A masculinidade hegemônica que valoriza a resistência, o silêncio em torno das fragilidades emocionais e o isolamento geográfico fazem com que muitos procurem ajuda apenas em estágios avançados da doença. Em estudos internacionais, agricultores norte-americanos apresentaram taxa de suicídio até três vezes e meia superior à da população geral (Rosmann, 2017). No Canadá, uma pesquisa identificou que 76 por cento dos produtores relatam níveis elevados de estresse, 57 por cento apresentam sintomas de ansiedade e 34 por cento já vivenciam sintomas de depressão (Jones-Bitton et al., 2020).

Esses números revelam uma trajetória conhecida pela literatura em saúde mental: o sofrimento que começa de forma silenciosa, com sintomas cotidianos facilmente ignorados, pode evoluir para depressão grave e culminar em ideação suicida. No campo, essa realidade é agravada pela invisibilidade do tema e pela falta de políticas de cuidado estruturadas, fazendo com que a crise mental dos produtores rurais permaneça muitas vezes oculta até que o pior aconteça.

Casos globais de saúde mental no campo

Nos Estados Unidos, no Kansas e no Colorado, agricultores enfrentam um rompimento profundo da conexão emocional com a terra. Reportagens recentes apontam que a taxa de suicídio entre produtores chega a ser três vezes e meia maior que na população em geral. Uma das respostas desenvolvidas foi o chamado LandLogic Model, que utiliza fotos aéreas das propriedades para ajudar os agricultores a reconstruírem seu vínculo simbólico com a terra.

Em Delaware, agricultores lidam com isolamento geográfico e colapsos emocionais após crises repentinas. O estado lançou uma campanha simples e simbólica: adesivos fixados em tratores com o número 988, linha direta de prevenção ao suicídio. A iniciativa liderada pelo Farm Bureau e pelo agricultor Steve Breeding mostra como ações comunitárias podem reduzir barreiras e encorajar a busca por apoio.

No estado de Ohio, um estudo de 2024 apontou que produtores rurais apresentam risco de suicídio três vezes e meia maior que outros grupos profissionais. A Ohio Agricultural Mental Health Alliance tem organizado campanhas de sensibilização para aumentar a prevenção e oferecer suporte direto às famílias agricultoras.

Na Austrália, os desastres climáticos têm sido gatilhos devastadores. Em Kangaroo Island, incêndios florestais deixaram agricultores em estado de desespero, e cursos de primeiros socorros em saúde mental foram organizados para reduzir o risco de suicídios. Em Queensland, enchentes recordes resultaram em perdas de rebanho e colapso financeiro, o que levou ao surgimento de iniciativas de suporte psicológico e encontros comunitários promovidos por organizações como a Farm Angels. Ao mesmo tempo, a agricultora e roteirista Leila McDougall lançou o filme Just a Farmer, que expõe a invisibilidade do sofrimento psíquico no campo e desafia o tabu cultural do silêncio.

Na Índia, o cenário é marcado por crises agrárias recorrentes. Em Maharashtra, 461 agricultores tiraram a própria vida em 2024, mas apenas 118 foram oficialmente reconhecidos como vítimas da crise rural. Em Karnataka, números semelhantes foram registrados, e governos locais recorreram a compensações financeiras emergenciais para famílias enlutadas. Pesquisadores como S. Saju alertam que essas medidas paliativas não enfrentam as causas estruturais da crise.

No Canadá, dados revelam um cenário alarmante. Três em cada quatro agricultores relatam altos níveis de estresse, mais da metade apresenta sintomas de ansiedade e um terço manifesta sinais de depressão. Estudos conduzidos pela Universidade de Guelph e pela National Farmers Union defendem a criação de políticas públicas robustas e estratégias de enfrentamento comunitário. Pesquisas recentes destacaram ainda a fadiga crônica como mediadora entre estresse, solidão e adoecimento, sugerindo que aumentar a autonomia dos agricultores e fortalecer suas redes sociais pode reduzir o risco de depressão.

Na Suíça, uma investigação em Entlebuch mostrou que 3 por cento dos agricultores se sentem solitários frequentemente e 20 por cento às vezes. Os pesquisadores apontam que redes sociais locais e cadeias curtas de alimentos podem funcionar como mecanismos de proteção emocional. No Reino Unido, estima-se que um agricultor perca a vida por suicídio a cada semana. Projetos comunitários rurais, apoiados por instituições como a Norfolk & Waveney Mind e até por membros da família real, buscam enfrentar o estigma e ampliar o suporte. Pesquisas acadêmicas anteriores, realizadas na Universidade de Wales, já haviam mostrado forte associação entre crises rurais e ideação suicida.

Na China, estudos apontam que as taxas de suicídio em áreas rurais chegam a ser de três a cinco vezes maiores que em áreas urbanas. O estigma cultural e a ausência de canais de expressão emocional dificultam a prevenção. Autópsias psicológicas realizadas por Zhang e colegas revelam como a invisibilidade do sofrimento está ligada diretamente às estatísticas alarmantes.

Em escala internacional, pesquisadores têm investigado como diferentes fatores estruturais influenciam o adoecimento. Garner, em 2025, mostrou que a falta de autonomia no trabalho agrícola está associada a níveis elevados de estresse crônico e burnout. Outros estudos identificaram que agricultores orgânicos apresentam menor ansiedade e mais emoções positivas do que aqueles que trabalham em modelos convencionais, indicando que o modo de produção também pode impactar o bem-estar.

Por que é tão difícil detectar e enfrentar o problema

Apesar das evidências consistentes, a literatura mostra que detectar e enfrentar o sofrimento mental no campo é especialmente difícil. Há três barreiras principais. A primeira é o estigma cultural que associa a busca por ajuda a fraqueza, o que faz com que muitos produtores mantenham silêncio sobre sua dor. A segunda é a masculinidade dominante, que reforça a ideia de que resistir sozinho é prova de valor. A terceira é a falta de acesso a serviços especializados, já que áreas rurais frequentemente carecem de infraestrutura de saúde mental (Judd et al., 2006; Rosmann, 2017).

Esse conjunto cria um paradoxo: os agricultores estão entre os grupos mais afetados pelo estresse e pela depressão, mas também entre os que menos recebem apoio estruturado. Para países como o Brasil, onde a pesquisa sobre saúde mental no campo ainda é incipiente, essa realidade impõe a necessidade de novos instrumentos de diagnóstico, prevenção e cuidado.

Conexão com a pesquisa brasileira

É nesse ponto que ganha força a pesquisa em andamento sobre depressão ocupacional em produtores rurais cooperados. O objetivo é compreender como os estressores ocupacionais específicos do meio rural interagem com variáveis como suporte social e comprometimento organizacional, criando trajetórias de risco ou proteção. O estudo busca oferecer um modelo teórico e instrumentos de mensuração capazes de identificar precocemente os sinais de adoecimento, permitindo intervenções mais efetivas.

Cuidar da saúde mental de quem cuida da terra não é apenas uma questão de bem-estar individual. É um desafio social, econômico e cultural que atravessa fronteiras. A vida no campo que ninguém vê precisa ser trazida à luz, não apenas para reconhecer a crise, mas para abrir caminhos de cuidado e prevenção.

Referências

  • Adelaide Now. (2020). Kangaroo Island farmer Sam Mumford warns about suicide for Breakthrough mental health. Recuperado de https://www.adelaidenow.com.au/news/south-australia/kangaroo-island-farmer-sam-mumford-warns-about-suicide-for-breakthrough-mental-health/news-story/1f10a5866317c7c8d5e9ebc20a32f8c6
  • Agência Pública. (2022). Depressão, ansiedade e suicídios: a realidade dos que plantam tabaco no Brasil. Recuperado de https://apublica.org/2022/01/depressao-ansiedade-e-suicidios-a-realidade-dos-que-plantam-tabaco-no-brasil/
  • Carlotto, M. S. (2011). Depressão no trabalho: uma perspectiva psicossocial. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11(1), 23–36.
  • Canadian Mental Health Association. (2024). Mental health resources for farmers. Recuperado de https://casa-acsa.ca/en/mental-health/
  • Garner, I. W. (2025). Lack of autonomy and agricultural stress: Implications for global farming. Sociological Spectrum, 45(2), 112–130. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0743016725000889
  • Goldberg, D., & Huxley, P. (1992). Common mental disorders: A bio-social model. London: Routledge.
  • Judd, F., Jackson, H., Fraser, C., Murray, G., Robins, G., & Komiti, A. (2006). Understanding suicide in Australian farmers. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 41(1), 1–10. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16341827/
  • Jones-Bitton, A., et al. (2020). Stress, anxiety, depression, and resilience in Canadian farmers. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 55(2), 229–236. https://link.springer.com/article/10.1007/s00127-019-01738-2
  • Lima, M. S. (1999). Transtornos mentais comuns: conceito e prevalência. Revista Brasileira de Psiquiatria, 21(1), 6–15.
  • National Farmers Union of Canada. (2024). Mental health and Canadian farmers. Recuperado de https://www.nfu.ca/learn/mental-health/
  • Wikipedia. (2022). Farmers’ suicides in Canada. Recuperado de https://en.wikipedia.org/wiki/Farmers%27_suicides_in_Canada

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