Por: Kennedy Alecrim / Redação
Quando o sol ainda nem apareceu, o celular vibra com o alerta de geada. Você pensa no preço do milho, no adubo que subiu, no banco que liga. O corpo ainda está na cama, mas a mente já correu mil quilômetros. No final do dia, a lavoura até rendeu, mas a cabeça não desligou. Se essa cena soa familiar, esta reportagem é para você.

O campo brasileiro aprendeu a domar máquinas e pragas, mas ainda engatinha quando o assunto é saúde mental. A boa notícia é que há um caminho prático para virar esse jogo. Pesquisas de saúde ocupacional e psicologia mostram que cinco fatores funcionam como alavancas de proteção. Quando estão ativos, reduzem estresse, deprimem a ruminação e dão fôlego para atravessar safra difícil. Quando estão baixos, o risco de adoecimento cresce. Esse conjunto forma a cadeia de cinco fatores.
Autopercepção e autoconhecimento
É a capacidade de perceber sinais internos e nomear emoções antes que virem incêndio. Quem treina essa escuta reconhece cedo quando o ritmo passou do ponto, quando a irritação não é com o funcionário, mas com a noite mal dormida, e quando a decisão precisa ser adiada. Um produtor do Noroeste goiano contou numa reunião de cooperativa que começou a marcar duas vezes ao dia como estava se sentindo em uma escala simples. Em duas semanas, percebeu que a ansiedade sempre subia nas manhãs de negociação. Com essa informação, passou a preparar as conversas na véspera e reduziu atritos.
Resiliência e regulação emocional
Não é endurecer. É saber cair e levantar sem se quebrar por dentro. Técnicas curtas de respiração e atenção plena cabem no intervalo do almoço e ajudam a baixar a rotação da mente. Metanálises mostram que esse tipo de prática reduz ruminação e sintomas depressivos. Na prática, funciona assim. Antes de ligar para o fornecedor, pare um minuto, inspire por três segundos, segure por três, solte por três. Esse microfreio evita respostas impulsivas quando o clima ou o mercado surpreendem.
Engajamento em atividades significativas
Sem sentido, o dia vira serragem. Com sentido, volta a ter cheiro de terra molhada. Engajamento não é trabalhar mais. É reconectar tarefas a um propósito. Ativação comportamental é o nome técnico para uma ideia simples. Agendar atividades que trazem energia e valor. Pode ser vistoriar um talhão que você gosta mais, ensinar um filho a calibrar o pulverizador, retomar uma caminhada ao final da tarde. Ensaios clínicos mostram que esse foco em ação com significado reduz sintomas depressivos. No campo, ajuda a quebrar a sensação de que tudo é só apagar incêndio.
Interações sociais positivas
Ninguém segura um trator sozinho o dia inteiro. Suporte social é amortecedor clássico de estresse. Isso vale tanto para pedir ajuda quando a colheitadeira pifa quanto para trocar duas ideias na venda da cooperativa. Rodas de conversa pós plantio e duplas de apoio entre vizinhos criam rede. Em municípios do Vale do Taquari, depois das enchentes, grupos comunitários que se organizaram para compartilhar tarefas e conversar relataram menos sensação de desamparo do que propriedades isoladas. O vínculo certo na hora certa evita que problemas comuns virem crises silenciosas.
Proteção ativa da saúde mental
É o básico bem feito que muita gente deixa para depois. Sono regular, luz da manhã no rosto, pausas programadas, alimentação organizada e acesso a orientação profissional quando necessário. A literatura de demandas e recursos no trabalho é clara. Ambientes com exigência alta pedem contrapeso de recuperação. Calendário agrícola pode ser duro, mas sempre cabe um ajuste. Trocar turnos, prever um dia sem reuniões na semana da aplicação, negociar metas realistas quando o clima virou.
Como medir e agir
Para transformar teoria em prática, criamos um questionário de quinze itens, três por fator, com respostas de um a cinco. Em cinco minutos, você tem um retrato simples. A leitura é direta. Abaixo de dois vírgula cinco, atenção. Entre dois vírgula cinco e três vírgula cinco, médio. Acima de três vírgula cinco, fortalecido. O gráfico de barras mostra onde você está firme e onde precisa reforço. A devolutiva sugere microações personalizadas. Se o engajamento está baixo e a regulação razoável, o foco é recolocar atividades com significado no dia. Se a resiliência caiu e a rede social é forte, a prioridade é descanso de verdade e pedir ajuda para redistribuir tarefas.
O que a mídia tem mostrado
Em 10 de maio de 2024, a CNN Brasil alertou que as enchentes no Rio Grande do Sul trouxeram risco significativo à saúde mental e indicou caminhos de acesso a ajuda especializada. CNN Brasil
Em 12 de junho de 2024, a Agência Brasil noticiou resultados preliminares de pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e UFRGS apontando ansiedade em níveis muito elevados entre moradores afetados, com recorte mais grave nas faixas de menor renda. A Rádioagência Nacional reforçou o achado no mesmo dia. Agência Brasil+1
Em agosto de 2024, o Observatório de Crise da UFSM compilou dados oficiais sobre a magnitude do desastre e suas repercussões psicossociais, destacando a necessidade de redes de cuidado nas comunidades atingidas. UFSM
Em 2025, o Globo Rural exibiu duas reportagens. Em maio, mostrou que os atendimentos psicológicos na zona rural gaúcha subiram cerca de vinte por cento no último ano. Em outubro, apresentou uma iniciativa de apoio entre agricultores em Santa Catarina voltada a quem enfrenta sofrimento psíquico. Globoplay+1
Em 17 de junho de 2025, a plataforma jornalística Dialogue Earth publicou relatos de agricultores gaúchos que, após as enchentes de 2024, passaram a usar medicação psiquiátrica para ansiedade e depressão, com contextualização de estudos que relacionam eventos climáticos extremos a piora de saúde mental. Dialogue Earth
Em 3 de maio de 2025, o jornal El País, na editoria América Futura, resumiu achados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre vulnerabilidades escancaradas pelas enchentes, incluindo impactos em saúde mental em áreas rurais e tradicionais. El País
Esses registros ajudam a precisar o quadro. Onde redes locais de apoio e pontos de escuta foram ativados com rapidez, o retorno ao trabalho ocorreu com menos sofrimento do que em localidades sem essa articulação. UFSM+1
Esses casos ilustram um ponto central. Crises expõem fragilidades, mas também revelam o poder das redes locais, do apoio entre vizinhos e de ações simples e continuadas. Onde houve mutirões e pontos de escuta, o retorno ao trabalho ocorreu com menos sofrimento.
Como levar para a sua propriedade
1 Reserve cinco minutos por dia para um check in rápido de humor e energia.
2 Use o questionário ao final de cada mês para ver a tendência dos cinco fatores.
3 Escolha uma microação por fator e mantenha por duas semanas.
4 Combine com um vizinho ou alguém de confiança um pacto de apoio.
5 Em sinais persistentes de sofrimento, procure avaliação profissional. Cuidar da mente também é manejo de risco.
O recado final cabe em uma frase. Produtividade é importante. Você é mais. Quando a cabeça trabalha no mesmo ritmo que o coração, a lavoura agradece. E a vida também.
Autoavaliação – Cadeia de 5 Fatores da Saúde Mental
Instrumento educativo para devolutiva individual. Escala de 1 a 5. Não substitui avaliação profissional.