A servidora pública e comunicadora Ana Bacovis sentiu os primeiros sintomas da distimia — ou transtorno depressivo persistente — ainda na pré-adolescência. Aos 13 anos de idade, sofria com autoestima baixa, tinha problemas para se relacionar e começou a ter uma visão sempre ruim em relação à vida.
Por: Priscila Carvalho / Rio Grande do Norte para a BBC News Brasil / e www.vittude.com
Demorou algum tempo até que seus pais percebessem que o comportamento da filha estava atípico. Momentos de raiva e irritabilidade foram os indicativos para que eles levassem Ana a procurar ajuda.
“Eu me via muito como uma pessoa realista, mas na verdade eu era pessimista. A gente acaba ficando numa situação que acha que é normal”, diz ela.
“Temos uma visão distorcida da depressão, mas eu tinha pontos de alegria, picos muito grandes de euforia, depois terminava e vinha a tristeza”, relembra.
Mesmo tendo os sintomas iniciais do transtorno, ela só recebeu um diagnóstico quando já estava com sinais mais avançados de depressão. Ao receber atendimento médico, a jovem soube que sofria com distimia e que tinha um grau moderado de ansiedade.
Assim como Ana, é muito comum diversos pacientes receberem o diagnóstico desse tipo de depressão após décadas convivendo com os sintomas. Muitas vezes, os sinais mais evidentes são confundidos com a personalidade, “jeito” do indivíduo e podem ser subdiagnosticados até por médicos.
“A história mais comum que ocorre é alguém que tenha algum quadro de depressão leve ou de distimia, mas só quando os sintomas de depressão ficam mais graves o paciente procura ajuda e descobre que sofre com o transtorno”, destaca Marcelo Heyde, psiquiatra e professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
O que é distimia?
O transtorno depressivo persistente é uma forma crônica de depressão e pode surgir na infância ou na adolescência, antes dos 21 anos de idade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a distimia atinge aproximadamente 6% da população mundial.
A principal diferença dela para o tipo clássico é que, nesta, a pessoa consegue ser funcional e realizar suas atividades normalmente. No entanto, trabalhar, estudar e outras ações do dia a dia são um pouco mais difíceis de serem feitas.
“Ela faz as atividades com um custo maior da rotina e com uma produtividade reduzida por causa dos sintomas. Ela é funcional, mas a custa de maior esforço”, explica Márcia Haag, psiquiatra e professora da Universidade Positivo, em Curitiba (PR).
Segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, ainda não há um consenso sobre o que provoca a distimia. Normalmente, o transtorno pode ser multifatorial e gerado por fatores estressores durante a infância, predisposição genética e biológica, traumas ou questões sociais.
“É possível perceber que na fase adulta, é muito comum o paciente chegar com choro fácil e quando vai investigar, ele era uma criança mais quieta e tinha dificuldade de relacionamento”, ressalta Bianca Breda, psicóloga e especialista em terapias cognitivas pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
No caso de Ana, ela só descobriu a doença devido ao seu trabalho em um centro de apoio a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Por ter atendimento psicológico no local, a jovem pôde entender o que estava acontecendo com ela.
Como identificar e diferenciar do tipo clássico?
Diferentemente de outros episódios de depressão, que são mais fáceis de serem reconhecidos, a distimia tem caraterísticas “camufladas” e próprias.
Além do tempo de duração ser maior, os sinais mais comuns podem se manifestar por meio de cansaço, fadiga, autoestima baixa, indecisão e pessimismo exagerado.
Já na depressão comum e mais conhecida, a pessoa tende a mostrar sintomas exacerbados de tristeza, desânimo, falta de interesse nas coisas, perda de apetite e outros sinais que podem ser percebidos por pessoas ao redor e pelo próprio paciente.
“Na depressão há uma intensidade maior, o sofrimento de uma pessoa com depressão geralmente é maior e classificamos como leve, moderado ou grave. Geralmente está vinculada a algum evento”, afirma Breda.
Não é personalidade
Esse transtorno é considerado um dos tipos de depressão mais difíceis de diagnosticar e em muitos casos é confundido como sendo “da personalidade”.
Por causa desse erro comum, o diagnóstico se torna tardio e prejudica os pacientes na busca pelo tratamento correto, que pode ocorrer após décadas. É fundamental, de acordo com os especialistas, deixar de dizer que determinada pessoa é chata, “cricri”, que ela é e foi assim vida inteira e, por isso, não vai mudar mais.
“A distimia vem de forma devagar e arrastada, porém, com o passar dos anos, apesar de ser leve, o impacto funcional é grande, pois a pessoa ganha apelidos como ranzinza e mal-humorada. Isso culturalmente é aceito, mas vai atrasando o diagnóstico e também reforça o neuroticismo, que é um traço de personalidade de ver as coisas mais negativas”, explica o psiquiatra da PUC-PR.
A servidora pública, por exemplo, tinha dificuldades em se relacionar na escola e não sabia o motivo. “Eu sempre tive uma insegurança muito maior, principalmente amorosa e me bloqueava muito”, diz.
Ela também acreditou que todos esses sentimentos faziam parte do seu comportamento, e que, com o tempo, poderiam passar. Mas isso não ocorreu e a oscilação do humor acontecia com frequência.
“Quem tem distimia tem uma vida muito conturbada consigo mesma. A gente acaba se irritando uma hora”, conta Ana.
Como procurar ajuda e tratar o transtorno
É fundamental que o paciente procure atendimento precoce para evitar subdiagnósticos. Muitas vezes, quando há uma queixa pontual em relação a uma outra doença, ele pode não procurar um serviço psiquiátrico e, de forma generalista, receber um diagnóstico de outra enfermidade e a distimia passa despercebida.
“A própria depressão tem até 50% dos casos que não são diagnosticados por médicos de atenção primária. Imagina a distimia que a pessoa pode se queixar de cansaço, fadiga e autoestima baixa. É bem comum associar com outras doenças psiquiátricas, transtornos de ansiedade e uso de substâncias”, diz Haag.
O diagnóstico tardio, reforça a médica, pode ainda interferir no surgimento de outras doenças ou piorar cada uma delas.
“A distimia e depressão atingem o organismo de uma forma sistêmica e podem agravar condições clínicas crônicas como diabetes, hipertensão e doenças reumatológicas, fazendo com que o paciente precise de doses maiores de medicamentos ou uma associação superior de remédios para estabilizar aquela condição”, diz ela.
Como ainda há um tabu em relação à saúde mental, identificar o transtorno pode ser ainda mais complicado. O recomendado é procurar atendimento com psicólogos e psiquiatras, que avaliarão o caso e poderão determinar a linha terapêutica correta, que pode ser feita com medicamentos ou somente psicoterapia.
Na época em que Ana descobriu a distimia, ela seguiu com psicoterapia e terapias “alternativas”, já que, devido a sua idade, sua psicóloga preferiu não receitar medicamentos.
Por alguns anos, a servidora pública interrompeu as sessões de terapia, mas desde o início da pandemia de covid-19, em 2020, voltou com o tratamento. Desde que retornou com o acompanhamento psicológico, percebeu uma melhora significativa.
Os especialistas reforçam a importância de não interromper o tratamento sem autorização de um profissional de saúde e que a evolução do transtorno precisa ser observada de forma contínua.
O acompanhamento médico pode durar meses ou anos, mas é indispensável para melhora dos sintomas e qualidade de vida do paciente.
Sintomas de distimia
O transtorno depressivo persistente é observado quando os sintomas perduram por, pelo menos, dois anos. Nesse período, a pessoa distímica não pode ter passado dois meses sem sintomas. Em crianças e adolescentes, o humor pode ser irritável em vez de deprimido, como acontece com os adultos, e possui duração mínima de um ano.
Outros sintomas distímicos são:
- Mau humor constante caracterizado por irritabilidade, desânimo e tristeza;
- Redução ou aumento do apetite;
- Insônia;
- Baixa energia;
- Autoestima baixa;
- Desatenção;
- Dificuldade de tomar decisões;
- Sentimentos de desesperança;
- Pessimismo;
- Crise de choro;
- Desinteresse generalizado pela vida;
- Impaciência; e
- Dificuldade para manter contato com amigos.
Como os sintomas são menos intensos, as pessoas não têm problemas para realizar atividades diárias, embora possam ter pouco interesse em fazê-las ou não executá-las com cuidado. Elas levam uma vida funcional, porém menos proveitosa.
É comum que elas relatem que “sempre foram assim” ou “nunca tiveram muita paciência” ao psicólogo por terem se acostumado com a presença dos sintomas em suas vidas cotidianas, principalmente quando o início é precoce.
Existe tratamento para distimia?
O estado de humor irritado, impaciente e triste não é o regular dos seres humanos. Embora a vida não seja somente feita de coisas boas, é possível manter um humor positivo e encontrar razões para ser feliz na maior parte do tempo. O desaparecimento da perspectiva de felicidade é um sinal de que algo está errado.
Se você acredita estar vivendo sem de fato aproveitar a vida, como se estivesse se arrastando por seus dias apenas porque precisa cumprir obrigações, deve procurar um psicólogo e médico.
Como algumas patologias físicas também afetam o humor e deixam as pessoas sem energia, é ideal também consultar um médico para investigar se está tudo bem com você. Com a possibilidade de uma doença física descartada, você pode voltar a sua atenção para cuidar da sua saúde mental.
É preciso ter muita atenção com a distimia dado que ela pode evoluir para a depressão e reduzir ainda mais a sua qualidade de vida.
Tratamento para distimia com a psicoterapia
As consultas com o psicólogo são de grande ajuda para as pessoas distímicas. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), sobretudo, é uma abordagem muito eficaz para ajudar essas pessoas a identificarem as circunstâncias que desencadeiam o mau humor. Deste modo, elas são ensinadas a ter respostas emocionais mais adequadas a essas situações e indivíduos.
A TCC também auxilia pacientes a modificarem padrões comportamentos negativos ao identificar o padrão de pensamento por trás dele. O que leva uma pessoa a agir da maneira que age, por vezes adotando condutas que a prejudicam? Essas reflexões são estimuladas para estimular uma mudança comportamental.
Com o tratamento adequado, o paciente consegue permanecer períodos maiores sem sintomas depressivos. A duração da terapia depende da evolução do indivíduo distímico. Alguns podem ter respostas positivas mais rapidamente enquanto outros precisarem de mais tempo de acompanhamento.
Em alguns casos, o tratamento medicamentoso para controlar os sintomas também é recomendado.
Como lidar com uma pessoa com distimia?
Conviver com uma pessoa com essa condição pode ser desafiador. Por mais que entes queridos e amigos tentem ajudá-la a mudar a forma negativa como vê a vida, é comum que a pessoa distímica responda com relutância e acredite “ser assim mesmo”.
Essa postura pode fazer com que ela desista de possibilidades de tratamento antes mesmo de iniciá-los ou não veja sentido em continuar com eles antes que os benefícios possam ser sentidos.
Quem convive com uma pessoa distímica pode seguir as seguintes recomendações para melhorar a convivência e ao mesmo tempo ajudá-la a lidar com o transtorno.
Tenha paciência
A pessoa distímica pode responder com rispidez, “dar patadas”, ignorá-lo e ter comportamentos considerados inadequados em situações sociais por conta do seu estado de humor depressivo.
Não leve tudo para o pessoal! Lembre-se que os sintomas do transtorno depressivo persistente modificam a forma como ela age e pensa. Mesmo se ela estiver em tratamento, vai levar um tempo para que consiga enfrentá-los e desenvolver condutas mais sadias. Pratique a empatia nesse meio tempo, colocando-se no lugar dela, e seja paciente.
Incentive a realização de atividades divertidas
Ofereça parceria para atividades!
Atividades físicas são excelentes para manter o humor elevado, portanto, vocês podem optar por um esporte coletivo ou malharem juntos na academia. Você também pode convidar a pessoa distímica para fazer cursos de fim de semana, aproveitar eventos locais, fazer uma viagem rápida e sair com amigos.
Ela pode não sentir vontade de movimentar os seus dias com atividades e inventar desculpas para permanecer em sua zona de conforto. Por isso, é importante que alguém tome a liderança e a ajude a se mexer.
Fique atento a vontade de se isolar
Pessoas distímicas com frequência sentem vontade de se isolar. Momentos sociais podem ser muito intensos para elas, portanto, muitas escolhem manter distância de eventos e interações sociais. Essa postura pode acarretar episódios depressivos mais graves, chamados de “depressão dupla”.
Amigos e familiares devem, então, prestar atenção à tendência de se isolar da pessoa distímica. Se ela estiver mais triste ou irritada que o normal, pode ser que seu quadro depressivo esteja se agravando.
Pergunte como você pode ajudá-la
A melhora forma de descobrir como ajudar uma pessoa distímica é perguntando a ela como você pode fazer isso. Embora os sintomas depressivos da distimia sejam bem conhecidos, cada pessoa tem uma experiência diferente, o que requer cuidados únicos.
Sendo assim, pergunte quais condutas ajudam e quais a deixam desconfortável, bem como o que você pode fazer quando a pessoa distímica se encontra de mau humor. Com essas informações, você aos poucos encontrará formas de manter uma boa convivência com ela.
Como conviver com a distimia?
Além do tratamento, pessoas distímicas podem adotar alguns hábitos e comportamentos para elevarem o humor no dia a dia. Atividades físicas, como mencionado antes, são excelentes catalisadores de bem-estar e bom humor. Além delas, você também pode:
- Ter um hobby que lhe dê prazer;
- Praticar exercícios de relaxamento, como meditação, yoga e gratidão;
- Participar de um compromisso social interessante, como um clube do livro ou voluntariado em uma ONG;
- Fazer um curso para adquirir uma nova habilidade e continuar investindo nela.
É essencial que você encontre atividades que possam ser acomodadas em sua rotina diária para que elas sejam praticadas com regularidade. Se não conseguir encontrar a motivação para fazê-las, chame um amigo para acompanhá-lo!
Embora a distimia tenha impactos em seu estado de humor, lembre-se que você também possui a capacidade de modificá-lo ao decidir cuidar da sua saúde mental.
Para encontrar um psicólogo para ajudá-lo a lidar com os sintomas depressivos, conte com a Vittude! Agende sua sessão de terapia online agora mesmo utilizando a ferramenta abaixo:
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62752634
Onde buscar ajuda?
CAPS e Unidades Básicas de Saúde (saúde da família, postos e centros de saúde)
UPA 24h
Samu 192
Hospitais
Pronto-socorro
CVV – Centro de Valorização da Vida (apoio emocional e prevenção do suicídio)
188 (ligação gratuita a partir de qualquer linha telefônica fixa ou celular)
www.cvv.org.br (Chat, Skype ou e-mail)
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