Cabe ao MEC rever autorização dada a curso cuja motivação é empresarial
Marco Antônio Coutinho Jorge / www1.folha.uol.com.br
A comunidade psicanalítica brasileira foi surpreendida no final de 2021 pelo anúncio da criação de um curso universitário de graduação em psicanálise, o que contraria toda a tradição —nacional e internacional— referente à formação do psicanalista.
Desde a criação da psicanálise por Sigmund Freud até os avanços substanciais da teoria e da clínica psicanalítica trazidos pelo ensino de Jacques Lacan, a formação analítica é oferecida exclusivamente pelas sociedades de psicanálise, criadas para este fim há mais de cem anos. Nelas, o estudo da teoria psicanalítica é intimamente associado aos outros dois pilares —análise pessoal e supervisão clínica— que sustentam a formação como um conjunto consistente de atividades atravessadas pela experiência analítica pessoal dos analistas que ensinam.
Os psicanalistas brasileiros, reunidos no Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, criado há mais de 20 anos com o objetivo de salvaguardar a especificidade da ética inerente à prática analítica, divulgaram um manifesto que sintetiza porque se opõem de forma veemente contra tal empreitada: “Reduzir a formação analítica ao conhecimento de teorias e técnicas, prometendo que em quatro anos, cumprindo determinados requisitos, todos estejam aptos para a prática psicanalítica, contradiz o conceito de ensino e transmissão da psicanálise”. E ainda: “A formação em psicanálise, resultado da análise pessoal, da leitura crítica da teoria e das reflexões clínicas, ocorre sempre de maneira singular, não cabendo em programas fixos e comuns para todos, em um tempo predeterminado”.
Isso significa simplesmente que o estudo da teoria analítica, isolado, não forma um analista. Para tal finalidade, é preciso que o ensino seja oferecido no interior de um protocolo de formação que coloca a análise pessoal no primeiríssimo plano, seguido do acompanhamento da prática clínica oferecida por analistas experientes. Ou seja, a formação tem como base mais importante a experiência da análise pessoal, sem a qual não é possível ser analista. Mais do que isso, a análise que é exigida de um analista em formação é a mais longa e profunda possível e, por isso mesmo, muitas vezes os analistas retornam à análise, como Freud já recomendava. Dito de modo simples, o acesso ao inconsciente, que forma o analista porque lhe proporciona uma vivência subjetiva do que é a experiência da análise e lhe dá condições de tratar seus analisandos, não se restringe ao estudo sobre o inconsciente.
Instituir um curso de graduação de psicanálise, que apresenta claramente em seu bojo uma motivação empresarial e despreza os objetivos de uma formação legítima, é um grave atentado à existência da psicanálise como método de conhecimento e tratamento. Significa, outrossim, negar o protocolo de formação necessário e oferecer uma ilusão perniciosa aos jovens que desejam encontrar na psicanálise uma fonte de conhecimento que, para ser estendida a uma atividade clínica, exige o próprio tratamento do sujeito.
Cabe ao Ministério da Educação rever a autorização que foi dada a este curso ignominioso que, de psicanálise, só tem o nome, nada mais.
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