Mesmo sem proposta de emprego, profissionais optam por uma pausa para reflexão


Por Adriana Fonseca — Para o Valor, de São Paulo

Depois de quase 12 anos na L’Oreal e 27 de carreira, Patrícia Mirilli, 48, decidiu pedir demissão e se dar um tempo. Sem outro emprego em vista, tomou esse tipo de decisão pela primeira vez na vida e se desligou do cargo de diretora de RH da multinacional em maio deste ano. “A gente vai ficando mais maduro e vai se questionando sobre o que faz sentido para a nossa vida”, diz. “O conjunto da obra já não fazia mais sentido para mim.”

Marcelo Quintella se despede quando o ciclo se encerra: “Saio sem maiores problemas. Sempre com muito respeito” — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Marcelo Quintella se despede quando o ciclo se encerra: “Saio sem maiores problemas. Sempre com muito respeito” — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Patrícia não saiu para encontrar emprego em uma empresa melhor. “A L’Oreal é uma das melhores empresas em que já trabalhei, acredito no que a companhia coloca no mercado e estava no cargo que gostava. Mas a forma como eu estava fazendo o trabalho estava me entristecendo.”

A reflexão de deixar o mercado corporativo já era discutida com a família desde 2019. A pandemia acentuou essa necessidade. Patrícia conta que após a covid-19 seu trabalho duplicou. Ela participava do comitê de crise, tinha reuniões diárias com decisões importantes a serem tomadas envolvendo as pessoas da multinacional. “Isso desgasta”, diz. “Não foi o fator decisivo, mas foi um alerta sobre o que estou fazendo, onde coloco a minha energia.”

Ela diz que a “ficha caiu” de fato quando levou o trabalho para casa na pandemia e a família começou a ver o seu ritmo. “Meu marido e filhos não conheciam exatamente como era a minha dinâmica de trabalho. Quando levei isso para dentro de casa viram que não há horário de almoço, por conta das reuniões com outros países, e como era participar dessas reuniões. Eles me olhavam de maneira assustada. E aquilo era o meu dia a dia. Esse olhar de fora me mostrou: ‘será que está tudo bem com essa vida enlouquecida?’.

Quando a decisão de pedir demissão foi tomada, a crise de labirintite que surgiu na pandemia desapareceu da vida de Patrícia. Há cerca de um mês sem sobrenome corporativo, por enquanto ela não procura emprego. “Saí por questionar o mercado corporativo. As empresas são quase todas iguais, não saí para achar uma empresa melhor.”

No momento ela está se envolvendo com projetos voluntários e acompanhando mais de perto a rotina e os estudos das filhas. Não descarta voltar a trabalhar no mundo corporativo, mas quer escolher com calma, algo que realmente faça sentido para ela.

Karin Parodi, CEO da Career Center, consultoria com soluções de outplacement, coaching e gestão estratégica de RH, diz que executivos que tomam esse tipo de decisão – pedir demissão sem ter um emprego em vista – são aqueles que têm fôlego financeiro para isso e estabilidade emocional. “Não ter a ansiedade da questão de não estar trabalhando, de se dar a oportunidade de pedir um tempo, de repensar a carreira”, pontua a consultora.

Para ela, ainda que o mercado de trabalho não esteja fácil – a taxa de desemprego bateu 14% -, a pandemia acentuou questões que fazem as pessoas refletirem sobre o que realmente importa. “A pandemia fez refletir sobre a fragilidade da vida e algumas pessoas começaram a pensar mais na escala de valores”, comenta Karin. “Aqueles que sempre colocaram a carreira acima de tudo, viram como a vida pode ser frágil e como há variáveis que não são possíveis de serem administradas.”

Para Talita Ribeiro, 38, o trabalho sempre foi algo muito importante. “Sempre dei muito foco e energia para isso, algo que vem de um exemplo familiar”, diz. “De uns tempos para cá, percebi que queria ser mais protagonista da minha vida e fui me desvencilhando dessas amarras de que é preciso trabalhar muito.”

A executiva, com passagens por multinacionais como Bloomberg, IBM, SAP e Microsoft, começou a refletir sobre como seria possível ter mais equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. “Foi um tempo nesse exercício, crescendo a intenção de ter mais tempo para mim, para outras coisas além do trabalho.”

Em maio deste ano, ela pediu demissão do cargo de gerente de marketing da multinacional Intuit sem ter outro emprego em vista – também algo inédito para ela. “Fiquei quase dois anos na Intuit, gostei muito de trabalhar lá, cresci, por ser uma empresa recente no Brasil, diferente do meu histórico de ter trabalhado em empresas mais estruturadas. Foi bem desafiador, porque a empresa está crescendo, e é preciso se dedicar muito. Chegou o momento que eu não tinha mais esse interesse, queria ter tempo para mim também.”

Agora, Talita está repensando sua carreira. Não descarta a volta ao mundo corporativo, mas, assim como Patrícia, quer algo mais em sintonia com seu momento de vida. Sua meta é trabalhar com desenvolvimento humano, fazendo uso de suas formações como coach e em constelação familiar. “Estou aberta ao mundo corporativo, mas quero algo mais condizente com o equilíbrio da vida pessoal e trabalho, e o propósito que acredito.”

Já Marcelo Quintella, 48, que também pediu demissão em meio à pandemia sem ter outro emprego em vista, já tomou esse tipo de decisão algumas vezes na vida. Em agosto do ano passado, ele saiu da CVC, onde era chief product officer. Ficou nove meses em período sabático. “Não foi um sabático planejado”, diz. “Mas como aconteceu no meio da pandemia, estávamos trancados dentro de casa, achei uma boa ficar com a família. Decidi não fazer nada por um tempo.”

Sem a ansiedade de querer voltar logo ao mercado, Quintella fez inúmeras maratonas de filmes com os filhos e aproveitou para ler muito. “Um a cada 10 dias.”

Ele pediu demissão da CVC porque o caminho da companhia estava diferente de quando aceitou a proposta de emprego, em 2019. A visão de tecnologia de Quintella, que ingressou para dar andamento à transformação digital da empresa, era diferente da do CEO que assumiu em março de 2020.

Ao longo da carreira, Quintella já se desligou de outras empresas, mesmo sem ter nada em vista, por entender que seu ciclo profissional ali havia terminado. “Quando o ciclo termina, eu saio sem maiores problemas, sempre com muito respeito”, afirma. Com passagens pelo Google, Peixe Urbano e Loft, o executivo assumiu um novo desafio em maio deste ano, como vice-presidente de produto da startup unico.

A maratona de leitura, diz o executivo, e o tempo para pensar ajudaram a dar perspectiva para a carreira. “No dia a dia do trabalho a gente não para muito para pensar por que está fazendo as coisas”, comenta. Agora, no novo desafio profissional, atraiu a cultura da empresa de querer ser “tech de verdade”. “O que marcou forte quando passei pelo Google foi a ideia de alinhar propósito individual com o trabalho. De lá para cá venho tentando me encaixar numa empresa na qual alinhe os dois propósitos.” Quem sabe é agora.

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