Por: Kennedy Alecrim / Redação

Poucos admitem em voz alta, mas muitos pensam em silêncio: não gostam de dinâmicas de grupo. O que deveria ser um recurso de integração e descontração, com frequência se transforma em palco de mal-estar, constrangimento e artificialidade.

O incômodo surge porque tais atividades expõem indivíduos a situações em que precisam performar, sorrir, revelar intimidade ou simular entusiasmo diante de colegas e superiores. Esse desconforto já foi descrito por Erving Goffman em sua análise da “apresentação do self”, ao mostrar como, em contextos sociais, as pessoas sentem-se constantemente avaliadas em um palco simbólico. Quando a dinâmica reforça esse palco de forma exagerada, o resultado pode ser mais ansiedade do que coesão.

O problema é que a promessa de integração se esvazia quando a experiência é percebida como artificial. Para Bauman, em sua reflexão sobre a modernidade líquida, vínculos frágeis não sustentam confiança. Dinâmicas mal ajustadas produzem exatamente isso: relações superficiais e forçadas, sem gerar pertencimento real. A crítica também é sustentada por Brown e Levinson ao tratarem da ameaça à face, conceito que explica por que a obrigatoriedade velada de participação pode ser vivida como ataque à autonomia ou ao desejo de aceitação. Em contextos corporativos, a situação se agrava porque as pessoas não apenas participam, mas participam sob olhar hierárquico.

Richard Sennett, em A corrosão do caráter, alerta para como novas formas de trabalho fragilizam a vida social. Dinâmicas de grupo podem reforçar esse processo, ao reduzir o espaço para relações autênticas e impor mais uma camada de teatralidade às interações. Christophe Dejours também aponta a centralidade do trabalho como fonte de sofrimento quando extrapola limites e coloniza dimensões da vida privada. A mesma lógica se aplica a atividades que, sob a justificativa de integração, expõem vulnerabilidades sem oferecer real segurança psicológica. Amy Edmondson, ao desenvolver o conceito de psychological safety, mostrou que o engajamento só se sustenta quando há confiança e ausência de medo de julgamento. Dinâmicas que geram riso nervoso ou silêncio constrangido caminham na direção oposta.

A percepção de artificialidade é um dos pontos centrais. Quando as pessoas sentem que a proposta não dialoga com sua realidade, mas apenas repete fórmulas prontas, surgem cinismo e distanciamento. Goffman chamaria isso de role distance, o ato de participar formalmente sem envolvimento emocional. O que era para gerar aproximação se torna um teatro forçado. Não é à toa que relatos informais em redes sociais frequentemente descrevem dinâmicas como momentos de vergonha coletiva, lembrados mais pelo desconforto do que pelos supostos ganhos de integração.

Nesse contexto, surge como alternativa uma metodologia inovadora: as auto dinâmicas diagnósticas, elaborada pelo pesquisador Kennedy G Alecrim. Diferente das práticas expositivas, esse modelo preserva a reflexão individual e evita o palco do julgamento. Trata-se de uma proposta em que cada pessoa observa sua própria rede de relações e percebe quanto espaço o trabalho ocupa em comparação com outros vínculos. A lógica é a de promover consciência sem constrangimento, permitindo que cada participante seja honesto consigo mesmo.

O valor desse tipo de metodologia está em respeitar a autonomia e ao mesmo tempo oferecer um espelho sobre a vida contemporânea. Como apontam Deci e Ryan em sua Teoria da Autodeterminação, quando a experiência preserva a autonomia, a motivação e o engajamento crescem de maneira mais sólida. A auto dinâmica diagnóstica não promete diversão forçada nem aplausos coletivos, mas sim um exercício silencioso de tomada de consciência. Em um tempo em que o trabalho tende a invadir todos os espaços, talvez seja essa a verdadeira integração necessária: a reconexão de cada indivíduo consigo mesmo e com as fronteiras saudáveis entre vida social e vida laboral.

Referências:

  • Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Brown, P., & Levinson, S. C. (1987). Politeness: Some universals in language usage. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511813085
  • Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). The “what” and “why” of goal pursuits: Human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry, 11(4), 227–268. https://doi.org/10.1207/S15327965PLI1104_01
  • Dejours, C. (1992). A loucura do trabalho: Estudo de psicopatologia do trabalho (5ª ed.). São Paulo: Cortez.
  • Edmondson, A. (1999). Psychological safety and learning behavior in work teams. Administrative Science Quarterly, 44(2), 350–383. https://doi.org/10.2307/2666999
  • Festinger, L. (1954). A theory of social comparison processes. Human Relations, 7(2), 117–140. https://doi.org/10.1177/001872675400700202
  • Goffman, E. (1959). The presentation of self in everyday life. New York: Anchor Books.
  • Granovetter, M. S. (1973). The strength of weak ties. American Journal of Sociology, 78(6), 1360–1380. https://doi.org/10.1086/225469
  • Putnam, R. D. (2000). Bowling alone: The collapse and revival of American community. New York: Simon & Schuster.
  • Sennett, R. (1998). The corrosion of character: The personal consequences of work in the new capitalism. New York: W. W. Norton & Company.

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