por Julio Cezar de Araujo / megacurioso.com.br
A ciência ainda não sabe ao certo como ocorreu a primeira infecção, tampouco a origem geográfica ou o padrão de transmissão da lepra, mas pesquisas genômicas levam a acreditar que a doença tenha surgido na África Oriental ou no Oriente Próximo durante a era do Pleistoceno Superior (entre 10 mil a 82 mil anos atrás) antes de as consecutivas migrações humanas terem a espalhado pela Europa e depois para o resto do mundo, principalmente pelos exploradores e pelo tráfico de escravos.
Os textos asiáticos datados de 600 a.C. são a evidência mais antiga da origem da lepra através de uma doença chamada Kushta, que se manifestava nos mesmos sintomas, com a predominância de manchas pela pele, podendo estas serem vermelhas ou apresentarem perda de pigmentação.
Causada pela infecção da bactéria Mycrobacterium leprae, a lepra é contraída por uma pessoa saudável após meses de contato muito próximo com alguém contaminado, infectada por respirar repetidamente gotículas de saliva.
(Fonte: Educalingo/Reprodução)
Apesar de existir há muito tempo, a doença só se transformou em um problema durante a Idade Média, quando atingiu caráter de pandemia. Estima-se que uma em cada 30 pessoas que viveu naquela época foi infectada com a bactéria, considerada um “castigo de Deus” — como todo o tipo de doença de alto contágio que existiu naquele tempo.
Muita coisa mudou ao longo dos séculos até 1873, quando o médico norueguês G. H. Armauer Hansen descobriu o agente causador da doença, porém os julgamentos morais e o ostracismo dos doentes, não.
O rastro de contaminação
(Fonte: International Leprosy Association/Reprodução)
Foi a pandemia da Idade Média que deu origem às “casas de Lázaro”, hospitais-colônias administrados por ordens religiosas para abrigar e isolar da sociedade aqueles acometidos pela doença, que se espalharam por toda a Europa em uma tentativa de combater a doença inexplicável.
Mas não foi devido à grande disseminação deles que a doença desapareceu, na verdade, cientistas tentam entender como isso aconteceu depois que as Cruzadas passaram pela Europa na virada do século XVI.
A lepra começou sua rota de deflagração pelos Estados Unidos entre os séculos XVI e XVIII, com os primeiros casos registrados no estado da Louisiana, em meados de 1758, devido ao tráfico negreiro. Cento e cem anos mais tarde, imigrantes franceses portadores da bactéria foram registrados em hospitais, mostrando o resultado da imigração da Turquia, Rússia, Oriente Médio e Ásia no final do século XIX.
(Fonte: Travels/Reprodução)
O estado abriu o Leprosário Nacional Carville, no século XX, como uma forma de tratar os pacientes, atendendo até 400 deles em seu auge, se tornando a instituição referência para atendimento da doença. Em 1921, porém, o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos (USPHS) assumiu a instituição e a renomeou Hospital Marinho dos Estados Unidos Número 66, onde os pacientes foram tratados com óleo de chaulmoogra — grande esperança na cura da doença — até meados da década de 1940, quando a era dos antibióticos revolucionou a medicina de tratamento.
O médico Guy Faget conseguiu mostrar os benefícios notáveis da terapia com sulfona (Promin) no tratamento da doença em pacientes voluntários, se tornando o método mais eficaz no combate à lepra até então disponível, adotado por várias instituições pelo mundo todo.
Apesar disso, até meados da década de 1980, a carga global da doença atingiu 10 milhões a 12 milhões de pessoas, com 122 países relatando casos de endemia de lepra à Organização Mundial da Saúde (OMS).
As colônias da dor
(Fonte: History/Reprodução)
Apesar do tratamento promissor, e o fato de a ciência ter sinalizado que o sistema imune do ser humano também possui uma imunidade natural à doença, o diagnóstico deixou de ser uma sentença de morte, porém não de inclusão. O isolamento social dessas pessoas e estigmatização de sua aparência permaneceu através de leis que preservaram os contaminados confinados por décadas no que ficou conhecido como “colônias da lepra”.
Nos EUA, assim que uma pessoa recebia o diagnóstico, ela perdia todos os seus direitos civis e, compulsoriamente, eram encaminhadas para assentamentos remotos em ilhas do país, como no Havaí, para evitar a disseminação da infecção.
O Leprosário de Kalaupapa, fundado em 1866, em um trecho de terra na ilha havaiana de Molokai, chegou a hospedar mais de 8 mil pessoas até seu fim, em 1969, quando caiu a lei de isolamento para leprosos no território americano.
“Naquela época, os pacientes eram enviados para lá pensando que iam morrer”, disse Nancy Brede, aos 92 anos, que chegou à ilha no carregamento de 1936, em uma matéria à CNN. “Foi uma experiência traumática”.
(Fonte: Eternity News/Reprodução)
Brede foi apenas uma das milhares de crianças que chegaram sozinha à ilha, separadas dos pais para sempre, perdendo o rastro de suas famílias de maneira definitiva. Assim como muitos, ela escolheu ficar na ilha depois que a lei caiu, constituindo uma família no único local que conhecia como lar, apesar de tudo. Entre aqueles que morreram ou foram embora, apenas 24 restaram, conforme o censo de 2015, dos quais apenas 6 permaneciam em tempo integral na ilha, inclusive Brede.
A passagem pelo leprosário, porém, deixou danos psicológicos em muitas pessoas que decidiram se livrar daquele passado, como a paciente Olivia Robello Breitha, que escreveu em sua autobiografia de 1988, que o Estado não se importou se arruinaria ou não a vida dela, pois, como doente, ela era apenas um número.
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