Nas experiências da quarentena, o costume de organizar a refeição à altura dos bons momentos está de volta, vamos à mesa posta
Por Edi Souza, da editoria Sabores
Na mesa posta de antigamente, a comida exigia um tempo que era só dela. O prato colocado diante dos olhos chamava atenção para um respiro do mundo lá fora. Era o início da convivência em família, estimulada por detalhes que sempre mostraram a importância de estar junto. Pratos, talheres e guardanapos, que, ao longo dos anos foram sendo guardados nos armários, voltam a ganhar espaço, no momento em que somos quase forçados a nos desconectar de tudo e viver o presente.
Se você já teve essa percepção durante a quarentena, saiba que ela é fruto da memória afetiva de um período distante. Ainda longe das interferências tecnológicas, dos compromissos em cima da hora e até das restrições alimentares. Segundo a pesquisadora Margaret Visser, em seu livro “O ritual do jantar”, os protocolos à mesa posta surgiram há séculos e foram reproduzidos naturalmente em ensinamentos que atravessaram gerações. Para ela, nesse processo o homem transformou mero consumo em necessidade cultural. “Usamos o ato de comer como um veículo para relacionamentos sociais: a satisfação da mais individual das necessidades torna-se um meio de criar uma comunidade”, defende um trecho de sua publicação.
A professora Lourdes Barbosa, do Departamento de Hotelaria e Turismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), vai além. Para ela, etiqueta e montagem de mesa posta com várias etapas sempre existiram para diferenciar classes sociais. “Isso desde os tempos do Egito e dos grandes impérios de Roma, principalmente com Luíz XIV, que adorava receber. Depois se fortaleceu no período da Renascença para diferenciar o nobre do novo rico”, afirma.
Mas como o Brasil, tão influenciado pela cultura portuguesa, entrou nessa história toda? Ainda segundo Lourdes, os franceses, que passaram a dominar o serviço clássico, tão cheio de regras, eram a grande referência dos povos lusitanos. “Por outro lado, existe a mesa das cidades do Interior, regadas a café e bolo, que apresentam uma relação maior com hospitalidade e acolhida, que são os conceitos de fato ligados à brasilidade”, diz ela, acostumada aos grandes encontros de família acompanhados da comida do Pará, sua cidade natal.
Mercado aquecido
Seja por hospitalidade ou mera etiqueta, o período de isolamento social tornou esse momento uma fuga da rotina. Tanto que o idealizador da empresa Floresta, Breno Modesto, que atua no ramo de decoração e festa há 13 anos, percebeu que o aumento dos pequenos eventos dentro de casa apontava para o mercado de enxovais por aluguel. “Os clientes escolhem os itens de preferência, disponíveis no catálogo, ou solicitam que façamos a composição da mesa, montando um conjunto feito de acordo com os seus desejos. Para pedir um orçamento, ele escolhe os itens com preços entre R$ 1,50 e R$ 6, ou solicita que a empresa faça a composição dessa mesa, respeitando o valor mínimo por aluguel de R$ 40”, explica Bruno, adiantando que toda negociação acontece por WhatsApp.
Os itens são entregues prontos para uso na data e local combinados, com devolução no dia seguinte, sendo o valor do frete combinado de acordo com a localização. Para a imagem que ilustra a capa de Sabores, foi montado um conjunto composto por dois pratos rasos, dois pratos de sobremesa, guardanapos em linho de cor telha, taças para água, talheres dourados e sousplats de rechilieu. Como complemento, a equipe também trabalha com arranjos de orquídeas e folhagens úteis para decorar.
Ainda na produção desta reportagem, as comidas entregues no delivery do Empório Tia Dulce, em Olinda, reforçam esse “novo normal”. Pratos e vinhos sob encomenda compondo a cena dentro de casa, a exemplo do estrogonofe de frango com arroz de brócolis e palha de batata-doce. De sobremesa, torta de chocolate com Sonho de Valsa e morango produzido pela chef Andrea Pires. Segundo a sócia Jorgeane Meriguette, entre os seus clientes, há quem mande foto com a mesa montada em ocasiões especiais.
Quem também está de olho nessa movimentação é a proprietária da marca 4cakes, Mirella Raposo, com locação de peças para pequenas festas em domicílio. “O setor anda muito aquecido, principalmente em datas comemorativas”, diz ela, que está trabalhando com o conceito “do it yourself” ou “faça você mesmo”, acordando o aluguel de peças entregues em domicílio, de acordo com a proporção da comida, seja bolo, salgado ou docinhos.
As regras existem
Por mais à vontade que as pessoas estejam em casa, algumas orientações sinalizam o cuidado básico de organização. Para a sommèliere e consultora em hospitalidade Carolina Oda, é até possível reproduzir a atmosfera de restaurante, mesmo que alguns ainda achem ser mera frescura. “Arrumar a mesa é sinônimo de valorização do momento. Diferente de pegar um prato e comer no sofá, vendo televisão”, defende.
Na prática, é até difícil limitar padrões quando se tem questões culturais envolvidas que devem ser consideradas, a exemplo da comida japonesa ou a clássica francesa. “O que precisa ter é cuidado e capricho, e não colocar as coisas desalinhadas e tortas. Independentemente da cultura, alinhamento e simetria fazem parte. Já o enxoval depende da comida, pois uma sopa é diferente de um churrasco”, ensina. E nada disso exige elementos estranhos no armário. Ainda segundo Carolina, a dica é achar itens temáticos para compor a cena, puxando as peças de acordo com a proposta.
Dicas de mesa posta
– Evite peças de decoração que cubram o campo de visão, deixando a mesa desconfortável, como um jarro grande de flores
– Dobre o guardanapo em triângulo ou retângulo, tirando do seu formato convencional
– Na montagem clássica: faca do lado direito. Garfo do lado esquerdo. Colher do lado direito. Copo do lado direito. O guardanapo do lado direito ou em cima do prato
Serviços:
(Instagram)
Floresta: @florestadecoracao
4cakes: @4cakesrecife
Empório Tia Dulce: @emporiotiadulce
Lourdes Barbosa: @lourdesbarbosa
Carolina Oda: @carolinaoda
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