Por Becky Ferreira New York Times
Pintura de porco: Em um vale escondido em uma ilha da Indonésia, há uma caverna decorada com o que pode ser a arte figurativa mais antiga já vista por olhos modernos.
A vívida representação de um porco selvagem, delineado e preenchido com pigmento em tons de amora, data de pelo menos 45.500 anos, de acordo com um estudo publicado na quarta-feira na Science Advances. Ele foi descoberto no fundo de uma caverna chamada Leang Tedongnge em dezembro de 2017, durante uma pesquisa arqueológica liderada por Basran Burhan, um estudante de graduação da Griffith University e coautor da nova pesquisa. O animal da pintura lembra o porco verrugoso, uma espécie que ainda hoje vive na ilha de Sulawesi, onde fica a caverna.
Sulawesi já era considerado por alguns especialistas como o local da mais antiga arte rupestre representacional conhecida no mundo. Uma cena cativante em outra parte da ilha, que exibe híbridos humano-animais, foi encontrada com pelo menos 43.900 anos de idade, relatada pela mesma equipe em um estudo de 2019 .
Esses exemplos de arte rupestre, junto com outra figura de porco vista em uma caverna mais ao sul por Adhi Agus Oktavhiana, um estudante de graduação na Griffith University e coautor do estudo, dão uma ideia das ricas culturas que vivem nas ilhas indonésias. As descobertas também abrem um debate sobre se os artistas poderiam ser Homo sapiens ou membros de outra espécie humana extinta.
O local Leang Tedongnge fica a apenas cerca de 40 milhas de Makassar, uma cidade movimentada com cerca de 1,5 milhão de habitantes. Mas a caverna permaneceu praticamente intocada porque é muito difícil de alcançar.
“Chegar lá exige uma caminhada difícil ao longo de um caminho de floresta acidentado que serpenteia por terreno montanhoso e termina em uma passagem de caverna estreita, que é a única entrada para o vale”, disse Adam Brumm, também arqueólogo da Griffith University e co- autor do estudo. “O vale só pode ser acessado durante a estação seca; durante a estação das chuvas, o fundo do vale fica completamente inundado e os residentes têm que viajar em canoas. ”
O Dr. Brumm deu crédito aos cientistas locais e outros por tornarem possível a descoberta no local da caverna.
Depois de descobrir a pintura do porco, a equipe usou séries de datação de urânio para determinar sua idade mínima, chegando a 45.500 anos. Mas é possível que a pintura em si seja milhares de anos mais velha porque a técnica avalia apenas a idade de um depósito mineral, o espeleotema, que se formou nas paredes da caverna.
A questão de quem fez as pinturas ainda está envolta em mistério.
Restos de esqueletos humanos de 45.500 anos nunca foram encontrados em Sulawesi, então não está claro se os artistas eram humanos anatomicamente modernos. As ilhas que agora são chamadas de Indonésia foram habitadas por diferentes hominídeos – a família mais ampla à qual os humanos pertencem – durante longos períodos de tempo. Alguns desses restos mortais de hominídeos têm “mais de um milhão de anos”, disse Rasmi Shoocongdej, arqueólogo da Universidade Silpakorn, na Tailândia, que não esteve envolvido no estudo.
O Dr. Brumm e seus colegas presumem que os pintores eram humanos modernos, “dada a sofisticação dessa antiga obra de arte representacional”. Além disso, as pinturas antigas compartilham características com a arte pré-histórica feita por humanos em outras partes do mundo, incluindo a presença de marcas de mãos e o uso da “perspectiva torcida”, na qual os animais são pintados tanto de perfil como de frente.
O Dr. Brumm diz acreditar que é apenas uma questão de tempo até que restos humanos desta idade sejam encontrados em escavações arqueológicas na região.
João Zilhão, um arqueólogo da Universidade de Barcelona que não esteve envolvido no estudo, discorda da suposição da equipa de que os homens modernos criaram as pinturas. Como coautor de um estudo de 2018 sugerindo que os neandertais deixaram arte não figurativa nas paredes das cavernas espanholas, ele acredita que outra espécie humana extinta pode ter criado as imagens.
“Um ser humano anatomicamente moderno é uma definição anatômica”, disse ele. “Não tem nada a ver com cognição, inteligência ou comportamento.”
Dr. Zilhão acrescentou: “Não há evidências sobre a anatomia das pessoas que fizeram essas coisas”.
Embora seja fácil focar na alegação de que essas são as imagens pré-históricas mais antigas já encontradas de pessoas, Margaret Conkey, uma professora emérita da Universidade da Califórnia, Berkeley, disse que isso ofusca as “implicações muito mais amplas” da descoberta.
O que se destacou no estudo de sua perspectiva foi sua “importante contribuição para a compreensão de como os humanos podem permanecer em conexão uns com os outros” na pré-história de Sulawesi e “como eles estão criando mundos sociais por meio de manifestações materiais e visuais”.
Embora o novo estudo use o termo “mais antigo”, o Dr. Brumm e seus colegas esperam encontrar imagens em Sulawesi com idades ainda mais avançadas.
“Acreditamos que haja arte rupestre muito mais antiga e outras evidências de habitação humana em Sulawesi e em outras ilhas dentro da parte oriental da Indonésia conhecida como arquipélago Wallacean, a porta de entrada para o continente da Austrália”, disse o Dr. Brumm.
Infelizmente, o tempo é essencial: a arte em cavernas da Indonésia está se deteriorando rapidamente, o que levanta a triste perspectiva de que muitas das pinturas mais antigas da Terra podem desaparecer antes de serem redescobertas.
“Documentamos esse fenômeno em quase todos os locais de arte rupestre da região, e o monitoramento de nossos colegas da agência de patrimônio cultural local sugere que a esfoliação da arte está ocorrendo em um ritmo alarmante”, disse o Dr. Brumm. “É muito preocupante e, dada a situação atual, o resultado final provavelmente será a eventual destruição desta arte indonésia da era do gelo, talvez até durante a nossa vida.”
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