Por AFP, ISTOÉ

O Brasil é um país racista, LGBT-fobico, e eu reúno tudo isso no meu corpo”, afirma Erika Hilton. Por isso, nunca imaginou que seria eleita vereadora da megalópole paulistana e com votação recorde.

Com apenas 27 anos, negra e transexual, Erika foi a mulher mais votada em todo o país e também entrou no “top 10” das vereadoras mais votadas no primeiro turno das eleições municipais, no dia 15 de novembro. Os primeiros nove eram homens.

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Thammy Miranda (SP), Duda Salabert (MG) e Erika Hilton (SP) estão entre os 30 vereadores trans eleitos no país e ficaram entre os mais votados nas câmaras municipais de Belo Horizonte e São Paulo

“Jamais imaginaria que na maior cidade da América Latina esse corpo negro, pobre, periférico, travesti pudesse ser o corpo mais bem votado do país”, ressaltou a vereadora, eleita pelo Psol.

Este resultado – a primeira mulher transexual eleita para o conselho municipal da capital econômica do país – é um sinal de que “estamos avançando contra o bolsonarismo”, conta à AFP, embora lembrando que o feito está rodeado de “paradoxos”.

Poucos dias depois da vitória de Erika, o país ficou chocado com a morte brutal de um negro nas mãos de seguranças de um supermercado Carrefour em Porto Alegre, o que gerou manifestações contra o racismo em várias cidades do país.

O que esperar da minirrevolução trans nas câmaras de vereadores
Reprodução/ Facebook

“O que vimos em Porto Alegre é a expressão mais baixa do que é o racismo estrutural, o racismo institucional e de quanto o Brasil ainda tem de uma herança vinda dos paises escravocratas que atuaram nas Américas”, disse esta jovem negra, durante um protesto em São Paulo.

Na Avenida Paulista, principal eixo da megalópole, Hilton ergueu o punho em sinal de luta e gritou “Vidas negras importam” para centenas de manifestantes, mostrando um caráter confiante apesar da juventude.

– Trajetória caótica –

No dia em que recebeu a AFP, ela entrou pela primeira vez na câmara municipal, situada na prefeitura de São Paulo, onde trabalham os vereadores.

Tirando algumas selfies enquanto caminhava pela sala, Erika – em um elegante traje preto e branco – relata seu caminho cheio de obstáculos.

Crescida em uma favela, sua família – muito religiosa – a expulsou de casa quando era adolescente. Ela se prostituiu e até morou na rua por alguns anos.

Quando sua mãe finalmente decidiu procurá-la e apoiá-la, Hilton começou a estudar e a militar pela defesa dos direitos das pessoas negras LGBT.

Em 2018, foi eleita deputada pelo estado de São Paulo para um mandato coletivo, que reuniu várias mulheres de esquerda, ao mesmo tempo que um candidato abertamente homofóbica e racista, o ex-capitão Jair Bolsonaro, assumia a presidência.

Depois, Erika recebeu muitas ameaças de morte e foi por causa “daquele pânico de 2018” que começou a organização “para poder responder ao bolsonarismo nas urnas”, explicou.

Dois anos depois, 294 candidatos travestis e transexuais lançaram suas candidaturas às eleições municipais de 2020 e 30 foram eleitos, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).

A vereadora eleita quer acreditar que os resultados eleitorais são “tapas na cara desse sistema (político)” e uma prova de que o “Brasil de 2018 não é o Brasil de 2020”.

“É lento, porque foram 388 anos de escravidão consentida e são quase 140 anos de uma falsa abolição, e ainda estamos em construção, ainda estamos lutando pela nossa humanidade”, acrescenta Hilton.

Apesar de otimista, ela ainda se preocupa com as ameaças que recebe.O Brasil é um país racista

Suas origens, trajetória e perfil lembram a vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, vinda da favela, negra, lésbica e assassinada em março de 2018.

“Tenho orgulho de ser comparada a ela, mas temo que minha história termine do mesmo jeito”, admite.

O Brasil é um dos países com mais assassinatos de transexuais no mundo, com 124 registrados em 2019.

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