Por: Kennedy Alecrim / Redação
Contexto histórico
A depressão, enquanto termo clínico e fenômeno social, não é recente. Registros de sofrimento psíquico equivalente já aparecem na Grécia Antiga: Hipócrates falava em melancolia. No século XIX, Pierre Janet e Sigmund Freud detalharam a “melancolia” como estado associado à perda e ao inconsciente. No início do século XX, a depressão major consolidou-se como diagnóstico moderno da psiquiatria, e após a Segunda Guerra Mundial critérios padronizados começaram a ser aplicados em manuais internacionais.

Entre 1960 e 1980, em países desenvolvidos, houve aumento dos diagnósticos, impulsionado por maior reconhecimento clínico e novas medicações. O lançamento dos antidepressivos ISRS nos anos 1980 transformou a depressão em uma condição amplamente tratável e visível. Já nos anos 2000, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a classificar a depressão como uma das principais causas globais de incapacidade.
Situação atual
Hoje, a depressão figura como uma crise de saúde pública global. Segundo a OMS, mais de 300 milhões de pessoas vivem com o transtorno em diferentes graus de gravidade. No Brasil, a prevalência ao longo da vida chega a 15,5% da população, e cerca de 11,5 milhões de pessoas sofrem com sintomas depressivos ativos a cada ano. O país lidera índices na América Latina.
A pandemia de COVID-19 intensificou o problema. Estudos mostram prevalência elevada de sintomas depressivos em estudantes universitários e profissionais da saúde. Uma meta-análise com 77 estudos e 62.728 estudantes de medicina estimou 28% de prevalência global de depressão nesse grupo. Entre adolescentes uruguaios, levantamento recente encontrou 21,4% de sintomatologia depressiva, um salto em relação a estudos pré-pandêmicos.
Nas redes sociais, o debate atual se amplia: do estigma que ainda recai sobre pacientes à precariedade de políticas públicas, passando por discussões sobre burnout no trabalho, desigualdades de acesso a psicoterapia e os limites de tecnologias digitais de autocuidado.
Dados e estatísticas
- Pessoas com depressão no mundo: mais de 300 milhões (OMS).
- Prevalência no Brasil: 15,5% ao longo da vida; 5,8% em curso, o que representa 11,5 milhões de pessoas (Ministério da Saúde/OPAS).
- Estudantes de medicina: 28% com sintomas depressivos (meta-análise, Scielo).
- Adolescentes no Uruguai: 21,4% apresentaram sintomas (Scielo Uruguai).
O consumo de antidepressivos também aumentou: estudo brasileiro identificou maior uso entre mulheres de 20 a 59 anos, pessoas das classes D/E e indivíduos sem plano de saúde, refletindo desigualdades de acesso.
A depressão invisível: quando não parece depressão
Um dos maiores desafios contemporâneos é reconhecer que a depressão nem sempre se apresenta como tristeza. Muitos quadros passam despercebidos porque se manifestam por sinais menos óbvios: irritabilidade, explosões de raiva, fadiga crônica, dores físicas sem explicação médica, compulsões, abuso de substâncias ou até hipersexualidade.
A OMS alerta que a depressão é frequentemente subdiagnosticada justamente porque os sintomas variam conforme idade, gênero e contexto sociocultural. Em adolescentes, pode surgir como rebeldia e queda escolar; em homens, como hostilidade ou uso de álcool; em idosos, como queixas somáticas persistentes.
Estudo brasileiro publicado na Revista de Psiquiatria Clínica mostrou que apenas um terço das pessoas com sintomas depressivos procurou atendimento especializado (Andrade et al., 2012, DOI:10.1590/S0101-60832012000400005). Isso evidencia tanto a dificuldade em reconhecer sinais quanto o estigma social.
Nas redes, não são raros relatos de pessoas que só perceberam estar deprimidas quando se viram irritadas constantemente, perderam o prazer nas atividades ou sofreram com alterações intensas de sono e não pela tristeza explícita. Essa pluralidade de expressões reforça a necessidade de campanhas públicas que eduquem sobre o fato de que depressão pode não parecer depressão.
Perspectiva crítica
- Urbano vs Rural: populações rurais enfrentam barreiras de acesso a serviços, enquanto nas cidades, embora haja maior oferta, o estresse urbano aumenta o risco.
- Elites vs Trabalhadores: elites contam com tratamento privado; trabalhadores enfrentam duplas cargas — condições precárias de vida e falta de atendimento.
- Políticos vs Sociedade civil: enquanto ONGs e movimentos sociais clamam por atenção, governos ainda tratam saúde mental como tema secundário, exceto em momentos de crise.
Essas contradições ajudam a explicar a invisibilidade de muitos casos, mesmo em contextos de maior disponibilidade de recursos.
Comparação internacional
Nos Estados Unidos, cerca de 8,5% dos adultos têm depressão maior em um ano típico (NIMH). No Reino Unido, 7% dos adolescentes reportaram episódios depressivos moderados ou graves em 2022. Na Austrália, cerca de 10% da população adulta apresenta sintomas clínicos de depressão, com preocupação crescente entre populações indígenas e comunidades remotas.
Comparado ao Brasil, esses países contam com maior infraestrutura, mas enfrentam dilemas semelhantes: desigualdade, estresse econômico, isolamento e impactos de crises globais.
Conclusão analítica
A depressão é antiga, mas os contornos atuais a tornam um dos maiores desafios globais de saúde. O futuro exige:
- Diagnóstico precoce e acessível.
- Integração de saúde mental a políticas sociais.
- Redução do estigma e campanhas educativas.
- Descentralização do atendimento.
- Uso ético de tecnologias digitais.
Mais do que uma condição médica, a depressão é reflexo de contextos sociais, econômicos e culturais. Superá-la depende tanto de tratamento quanto de mudanças estruturais
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Uso educativo para autocuidado. Os itens cobrem domínios de humor, interesse, sono, apetite, energia, psicomotricidade, concentração, autovalor, irritabilidade, sintomas físicos e pensamentos de morte. A pontuação total varia de 0 a 33.
Se os sinais persistirem por mais de duas semanas ou houver impacto no trabalho, estudos, relações ou segurança, procure atenção em saúde.
Referências
• Andrade, L. H., et al. (2012). Mental health in Brazil: The public health perspective. Revista de Psiquiatria Clínica, 39(4), 152–154. https://doi.org/10.1590/S0101-60832012000400005
• Boaviagem, K. M., & Nogueira, J. R. B. (2021). Analise Demografica e Socioeconomica do Uso e do Acesso a Medicamentos Antidepressivos no Brasil. ArXiv. https://doi.org/10.48550/arXiv.2111.15618
• Ferreira, L. S., et al. (2025). Caracterização dos instrumentos de pesquisa que avaliam depressão, ansiedade e estresse em universitários: Revisão sistemática. Research, Society and Development, 14(5), e0314545055. https://doi.org/10.33448/rsd-v14i5.45055
• Lima, S. O., et al. (2019). Prevalência da Depressão nos Acadêmicos da Área de Medicina. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(3), e214577. https://doi.org/10.1590/1982-3703000214577