Por: Kennedy Alecrim / Redação
O corpo humano responde ao medo, à ansiedade, ao prazer e à frustração por meio de circuitos neurofisiológicos que envolvem estruturas como a amígdala e o córtex pré‑frontal. Pesquisa da California Institute of Technology mostrou que a aversão à perda monetária , uma reação emocional muito ligada à sensação de risco , depende da ativação da amígdala.

Quando o medo permanece ativo, o sistema nervoso autônomo, em especial o ramo simpático, desencadeia respostas automáticas: aceleração cardíaca, liberação de glicose, aumento da tensão muscular. A ativação constante desse sistema dificulta a regulação metabólica, favorece insônia, eleva glicemia e pressão arterial.
Na clínica psicanalítica, o que parece ser “somente corpo” aparece como sintoma, sofrimento que se manifesta antes da palavra ou porque a palavra não foi dada. E a fala, ao entrar no processo, simboliza o afeto bruto, modula a ativação corporal e favorece a ativação de um controle cortical (pré-frontal) que inibe parcialmente a descarga emocional primitiva (amígdala).
Dessa forma, podemos entender que o saber neurocientífico não é um fim em si para a psicanálise, mas abre espaço para que o analista reconheça que o corpo do sujeito “fala” antes da palavra, e que possibilitar a palavra não é opcional, mas funcional à reorganização neuro-endócrina indireta do sujeito.
Caso ilustrativo: economia afetiva, medo da perda e acumulação extrema
Um vídeo em redes sociais relatou o caso de uma senhora que morreu de fome, com medo de gastar dinheiro, apesar de ter cerca de dois milhões de reais guardados. O guardado representa uma repetição de economia do gozo, medo de falta, controle da perda e da ameaça interna. Nesse contexto, a amígdala reúso ao gasto escuta “perda” como perigo, o circuito da aversão à perda entra em cena. A pesquisa da Caltech confirma que a amígdala está envolvida nessa sensação de risco monetário.
Interpretação psicanalítica: o ato de economizar compulsivamente funciona como resposta simbólica e corporal ao medo da castração, da falta, da perda de controle. A fala sobre esse medo, com o analista, abre caminho para conter a descarga automática, ativar a mediação simbólica, permitir que o sintoma (o acúmulo, a privação) possa ser lido e transformado.
Conclusão prática para atuação clínica
- Não negar o corpo: reconhecer que o sujeito se encontra ativado neuro-fisiologicamente (taquicardia, insônia, alteração glicêmica) não significa reduzi-lo a “uma doença”.
- Promover a palavra: acolher o discurso do medo, da falta, do controle para que a amígdala reduza sua atividade em circuito de ameaça e o córtex pré-frontal possa retomar regulação.
- Entender o sintoma como interseção do biológico e do simbólico: o corpo reage, mas o significado da reação é o que a psicanálise busca.
- Evitar reducionismos: nem a neurociência substitui a escuta analítica, nem a psicanálise ignora o corpo. A intersecção (e não a fusão) entre os dois permite maior integridade de intervenção.
Fonte:
Fischer, S., Schultchen, D., Schillings, S., & Pollatos, O. (2022). Why does psychotherapy work and for whom? Hormonal and neuroendocrine mechanisms of change. Frontiers in Psychiatry, 13, 874899. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.874899
Meng, Q.-T., Chen, J.-K., Zhang, Z.-Y., & Zhou, L. (2023). Psychophysical therapy and underlying neuroendocrine mechanisms in long-COVID-19 syndrome. Frontiers in Endocrinology, 14, 1120475. https://doi.org/10.3389/fendo.2023.1120475
Yakeley, J. (2014). Psychodynamic psychotherapy: Developing the evidence-base. Advances in Psychiatric Treatment, 20(4), 269–279. https://doi.org/10.1192/apt.bp.113.012054
























