“O campo adoece em silêncio. Mas os sinais estão lá. Sempre estiveram.”

Por Kennedy Gomes de Alecrim / Doutorando em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações – Universidade de Brasília (UnB) / Presidente do Instituto EUpontocom

Enquanto o Brasil discute produtividade, rentabilidade e expansão do agronegócio, uma realidade dura persiste: o adoecimento mental de produtores e trabalhadores rurais. Não se trata de um fenômeno novo. É, de fato, uma tragédia anunciada — já documentada há anos, porém ainda negligenciada em ações estruturantes de prevenção e cuidado.

Em 12 de junho de 2022, a equipe do Globo Rural trouxe à tona, em rede nacional, dados preocupantes:

  • 36% dos produtores rurais apresentavam sintomas de depressão,
  • 57% relatavam quadros de ansiedade,
  • e os índices de suicídio entre homens do campo eram quase o dobro da média urbana.

Na ocasião, o psiquiatra Bruno Shiozawa reforçou a importância de olhar para o sofrimento psíquico rural sem preconceitos: “A saúde mental é tão importante quanto a física. E o trabalhador rural está exposto a estressores intensos, mas invisíveis.”

Poucos meses depois, em 15 de setembro de 2022, o Sistema CNA/SENAR promoveu uma live técnica sobre saúde mental no campo, reunindo especialistas e representantes do setor para discutir o problema. O alerta já estava feito. Mas o tempo passou… e a realidade pouco mudou.

Uma dor persistente, agora com vozes

Em junho de 2025, o canal Campo e Batom trouxe novas vozes ao debate: mulheres do agro e assessoras de saúde relatando vivências emocionais, perdas, lutos e iniciativas de cuidado em comunidades rurais gaúchas. O que se vê é uma dor antiga ganhando forma — e, finalmente, sendo nomeada.

🧪 O que dizem os dados (e o silêncio)

Estudos indicam que os fatores que levam produtores rurais a desenvolverem quadros de depressão ocupacional. Os dados apontam que o excesso de demandas, o isolamento, o sentimento de inutilidade em períodos de seca ou baixa produtividade, e a sobreposição entre o papel familiar e profissional formam um ciclo de adoecimento. E o pior: a maioria não busca ajuda. Por vergonha, por estigma ou por ausência de serviços adequados no território. E a maioria das políticas públicas de saúde mental foi desenhada para contextos urbanos e industriais. CAPS, UBS e equipes de saúde da família nem sempre chegam aos produtores. Quando chegam, muitas vezes não compreendem sua linguagem, sua cultura ou sua rotina.

No Brasil, O SENAR lançou o programa Saúde no Campo, em 6 de maio de 2025, durante o evento “Cenário Geopolítico e a Agricultura Tropical”, realizado em São Paulo, que prevê atendimento psicológico remoto para produtores e trabalhadores rurais — com um acompanhamento inicial de até 24 meses dependendo da avaliação clínica. Em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, já está em vigor o programa Telessaúde no Campo, com consultas de apoio psicológico disponíveis de segunda a sexta-feira, entre 14 h e 20 h, em sessões de 40 minutos, totalmente via telemedicina senar-rs.com.br. É uma iniciativa pioneira que leva suporte emocional diretamente à vida rural, respeitando suas especificidades culturais e geográficas. Esse modelo brasileiro se insere em um cenário internacional onde diversas nações vêm implementando estratégias inovadoras para promover saúde mental no meio rural:

Nos Estados Unidos, a campanha Farm State of Mind, promovida pela American Farm Bureau Federation, disponibiliza uma plataforma com recursos de conscientização, linhas de apoio, treinamentos em primeiros socorros psicológicos, e teleaconselhamento para agricultores e pecuaristas cnabrasil.org.br+1sistemafaeasenar.org.br+1. Em estados como Minnesota e Missouri, há atendimento remoto gratuito e treinamentos voltados a líderes locais — como veterinários, agentes extensionistas e cooperativistas — para reconhecer sinais de sofrimento e encaminhar apoio adequadamente .

Já no Reino Unido, especialmente na Escócia, campanhas como Are Ewe Okay? foram idealizadas por jovens agricultores com o objetivo de quebrar o silêncio em torno da saúde mental rural e estimular apoio entre pares . O We Are Farming Minds, apoiado por organizações como o Ducado da Cornualha e pelo príncipe William, oferece linha de apoio 24 horas, redes locais de acolhimento e iniciativas para diminuir o isolamento emocional em comunidades rurais cnabrasil.org.br.

Na Índia, o estado de Maharashtra implantou o programa Udaan, que envolve agentes comunitários de saúde (como ASHA workers) realizando triagens domiciliares para identificar ansiedade, depressão e outros sinais de sofrimento. Até o momento, mais de 620 mil pessoas foram avaliadas, e cerca de 66% apresentaram recuperação após intervenção ambulatorial ou domiciliar, demonstrando a eficácia de levar os serviços de saúde mental até a comunidade rural .

No Zimbábue, o projeto Friendship Bench treina “avós comunitárias” para oferecer sessões de psicoterapia breve em locais públicos e comunitários. Essa abordagem comunitária, de baixo custo e grande aceitação local, tem sido adotada como modelo escalável também em outras regiões de recursos limitados .

Essas experiências oferecem caminhos claros para o Brasil ou suas cooperativas: integrar apoio psicológico remoto, formar lideranças locais para escuta ativa, inserir triagens em eventos rurais e feiras técnicas, e envolver agentes comunitários em apoio emocional. Com base nesses modelos, podemos construir um sistema de prevenção efetivo e territorializado — muito além do simples diagnóstico, mas como forma de transformar uma tragédia anunciada em um futuro de cuidado real para quem vive e trabalha no campo.

Fontes:

Vídeos brasileiros:

Estados Unidos:

Índia:

Zimbábue:

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui