Fenômeno ganha contornos sociais e jurídicos no Brasil, com adultos exigindo direitos maternos a bonecos hiper-realistas. Especialistas alertam para implicações emocionais, culturais e legais.

Por Kennedy Alecrim / Brasília, maio de 2025

Bonecas hiper-realistas, conhecidas como “bebês reborn”, estão gerando debates acalorados em filas de supermercados, salas de espera e até no Congresso Nacional. O que antes era uma prática ligada ao colecionismo ou ao uso terapêutico, agora se transforma em fenômeno social com implicações jurídicas e psiquiátricas. Casos de pessoas reivindicando atendimento preferencial por estarem com bonecos nos braços chamaram atenção da mídia e da sociedade, levantando a seguinte questão: quando o afeto por um objeto simbólico ultrapassa o saudável?

Imagem gerada por inteligência artificial com base em prompt original de Kennedy Alecrim, especialmente desenvolvida para ilustrar a matéria “Bebês Reborn e a Ruptura com a Realidade”, publicada no site do Instituto Eupontocom. Criada com uso da tecnologia DALL·E / OpenAI (maio de 2025).

DA ARTE À OBSESSÃO: QUANDO O AFETO SE TORNA RUPTURA

Os bebês reborn surgiram como objetos de arte e logo foram utilizados em contextos terapêuticos, como no tratamento de luto perinatal, demência e transtornos de ansiedade. Contudo, a relação simbólica com esses bonecos tem se transformado em uma vinculação real, afetando o comportamento social dos envolvidos.

Segundo a psiquiatra Sarah Rückl, entrevistada pelo portal Gazeta do Povo, há casos em que o uso terapêutico do reborn se estende para uma simulação crônica da maternidade. “Não se trata mais de elaboração emocional, mas de fuga da realidade. Isso pode ocultar um transtorno ou sofrimento psíquico que merece atenção clínica”, explica.

Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, o fenômeno reflete um surto regressivo da cultura contemporânea. “Vivemos uma era de infantilização. A busca por relações afetivas unilaterais, onde o outro não impõe demandas reais, mostra um traço narcisista cada vez mais aceito e até incentivado socialmente”, critica.

FILA PREFERENCIAL E EMERGÊNCIAS: O LIMITE DO ACEITÁVEL

O caso de uma mulher que discutiu com atendentes em um supermercado por não ser atendida como mãe, mesmo segurando um bebê reborn, viralizou nas redes. Em outro episódio, uma senhora levou seu boneco a um posto de saúde exigindo atendimento emergencial por “febre”.

Diante da crescente frequência desses episódios, parlamentares passaram a propor medidas legais. O deputado federal Zacharias Calil apresentou um projeto de lei que propõe multa de até R$ 30 mil para quem utilizar bonecas reborn para obter benefícios legais destinados a mães e crianças reais. A proposta busca coibir fraudes e garantir a integridade das políticas públicas voltadas à infância.

“Não se trata de discriminar quem coleciona ou utiliza o reborn em contextos terapêuticos. Mas quando há tentativa de manipular direitos sociais ou recursos públicos, a fronteira entre liberdade individual e responsabilidade coletiva precisa ser restabelecida”, declarou o parlamentar ao portal Extra.

REBORN E CULTURA DIGITAL: MATERNIDADE PERFORMÁTICA

Imagem gerada por inteligência artificial com base em prompt original de Kennedy Alecrim, especialmente desenvolvida para ilustrar a matéria “Bebês Reborn e a Ruptura com a Realidade”, publicada no site do Instituto Eupontocom. Criada com uso da tecnologia DALL·E / OpenAI (maio de 2025).

Outro fator relevante é o papel das redes sociais na normalização e amplificação do fenômeno. Perfis com milhares de seguidores são dedicados exclusivamente à “rotina” dos bonecos: passeios, festas de aniversário e “primeiros banhos” são registrados e celebrados por comunidades digitais.

Essas ações não apenas reforçam a estética da maternidade idealizada, mas também promovem um tipo de maternidade performática, desvinculada das complexidades e responsabilidades reais de criar uma criança. Para especialistas, isso pode influenciar negativamente a construção de vínculos afetivos saudáveis, sobretudo entre pessoas emocionalmente vulneráveis.

O OLHAR DA PSICOLOGIA SOCIAL: NOVAS FORMAS DE APEGO

Na visão da psicologia social, esse fenômeno pode ser interpretado como um deslocamento simbólico de afeto em tempos de crise. Em contextos de solidão, relações líquidas e insegurança emocional, os bebês reborn oferecem previsibilidade, controle e afeto sem reciprocidade — uma simulação confortável, mas artificial, da intimidade humana.

“É necessário compreender o que está por trás dessa busca. Trata-se de uma tentativa de criar laços em uma sociedade cada vez mais individualista e carente de vínculos significativos. Contudo, a substituição da experiência humana por um objeto deve ser discutida com responsabilidade”, afirma a psicóloga e pesquisadora em vínculos afetivos Carla Mendes.

CONCLUSÃO: O SIMBÓLICO EXIGE LIMITES

Imagem gerada por inteligência artificial com base em prompt original de Kennedy Alecrim, especialmente desenvolvida para ilustrar a matéria “Bebês Reborn e a Ruptura com a Realidade”, publicada no site do Instituto Eupontocom. Criada com uso da tecnologia DALL·E / OpenAI (maio de 2025).

O crescimento da demanda por bebês reborn como substitutos de vínculos afetivos exige mais do que julgamento moral. Requer políticas públicas, educação emocional e abordagens clínicas cuidadosas. O problema não está no boneco, mas no que ele simboliza para quem o trata como ser real.

Entre o afeto e a ruptura com a realidade, é preciso estabelecer limites — emocionais, legais e sociais. E, acima de tudo, lembrar que cuidar de um boneco pode ser terapêutico, mas reivindicar os direitos de uma mãe de verdade é um passo que exige responsabilidade coletiva.

Fontes consultadas:

Gazeta do Povo. Bebês Reborn e o surto regressivo da maternidade performática.

Extra. Projeto de lei propõe multa para quem usa reborn em fila preferencial.

YouTube. Entrevista com psiquiatra sobre uso de reborn em emergências médicas.

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