Em tempos de crise organizacional, como os trabalhadores fazem sentido dos erros de suas próprias empresas? Essa é a questão central abordada no artigo de Suzanny Barreto e Flávia Cavazotte, que examina como os funcionários processam os eventos críticos dentro das organizações. O estudo, baseado no caso do desastre de Mariana, traz insights importantes sobre as dinâmicas psicológicas e emocionais que surgem nesses momentos.
A Complexidade da “Criação de Sentido”
De acordo com as autoras, quando uma empresa enfrenta uma crise de grande magnitude, como o rompimento de uma barragem ou outro desastre, os funcionários muitas vezes utilizam processos conhecidos como sensemaking, ou “criação de sentido”. Esse conceito, proposto por Karl Weick, refere-se à maneira como as pessoas organizam e dão sentido aos acontecimentos em suas vidas, especialmente em momentos de incerteza.
No caso do desastre de Mariana, muitos funcionários da Vale buscaram explicar e justificar o evento, protegendo tanto a imagem da empresa quanto suas próprias identidades profissionais. Esse tipo de reação é comum quando os empregados têm uma identificação forte com a organização. No entanto, essa “criação de sentido” nem sempre é um processo racional ou imparcial — ele pode ser influenciado por emoções e mecanismos de defesa.
Mecanismos de Defesa: Protegendo-se da Realidade
No estudo, Barreto e Cavazotte mostram que muitos empregados mobilizaram estratégias como a negação e a racionalização para lidar com o desconforto causado pelo desastre. Esses mecanismos são comuns em situações onde o self — ou seja, a identidade pessoal — está diretamente ligado à reputação da organização. É como se, ao proteger a imagem da empresa, os funcionários estivessem também protegendo a si mesmos.
Por exemplo, a negação se manifesta quando os trabalhadores atribuem a responsabilidade a fatores externos, como o esgoto despejado por moradores locais no rio, ao invés de admitir a falha da empresa. Já a racionalização envolve justificar a conduta da organização com base em ações corretivas posteriores, como investimentos em novas tecnologias de monitoramento, mesmo que isso não elimine os erros cometidos.
Um Olhar Crítico Quando o Vínculo se Rompe
No entanto, nem todos os empregados tiveram a mesma reação. Aqueles que já haviam rompido seus laços com a empresa, ou que mantinham uma identificação menos intensa, mostraram uma visão mais crítica sobre os eventos. Como as autoras explicam, esses funcionários não estavam mais emocionalmente envolvidos com a defesa da organização, o que permitiu uma análise mais objetiva do desastre.
Um ex-funcionário, por exemplo, apontou que a empresa priorizava a produção sobre a segurança, observando que muitos sinais de alerta foram ignorados. Essas observações mostram como a desconexão emocional pode abrir espaço para uma visão mais honesta dos acontecimentos.
O Desafio da Identificação com a Empresa
A pesquisa de Barreto e Cavazotte revela como a identificação organizacional pode influenciar a maneira como os empregados veem os erros da empresa. Quando os trabalhadores se identificam fortemente com a organização, há uma tendência de defender sua reputação, mesmo em face de evidências de má conduta. Isso cria uma barreira para o aprendizado ético, já que a proteção da própria identidade pode se sobrepor à necessidade de reconhecer e corrigir erros.
Esses resultados sugerem que, para que as empresas enfrentem crises de maneira eficaz, é essencial promover uma cultura de transparência e autocrítica. Além disso, a pesquisa ressalta a importância de criar um ambiente em que os empregados possam expressar suas preocupações sem temer represálias, o que pode ajudar a prevenir futuras crises.
Considerações Finais
O estudo de Barreto e Cavazotte oferece uma análise profunda sobre como as crises organizacionais afetam não apenas as operações das empresas, mas também a psicologia de seus empregados. A forma como os trabalhadores processam e interpretam essas crises está diretamente ligada à sua identificação com a empresa e aos mecanismos de defesa que utilizam para proteger suas próprias identidades. Em última análise, esse conhecimento pode ajudar as organizações a lidar de maneira mais eficiente e ética com situações de crise, promovendo uma cultura de aprendizado e transparência.
Para mais detalhes, consulte o artigo completo: Silva, S. B., & Cavazotte, F. S. C. N. (2020). Como empregados dão sentido à má conduta organizacional. Revista Gestão e Planejamento, 21(1), 4-22. DOI: 10.21714/2178-8030gep.v.21.6265
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