Como o excesso de cobrança e a perda de sentido no trabalho estão adoecendo quem alimenta o país

Por: Kennedy Alecrim / Redação

Nos últimos anos, muito se fala que a depressão é o “mal do século”. Mas talvez a raiz desse sofrimento seja mais profunda. Antes da depressão, há algo mais silencioso e cotidiano: a frustração. Ela nasce da diferença entre o esforço e o resultado, entre o que se espera e o que a realidade permite entregar. No caso do produtor rural, essa frustração tem se tornado cada vez mais comum e perigosa.

Imagine o agricultor que acorda antes do sol, aposta na terra, investe em tecnologia e enfrenta o clima, o mercado e a política agrícola. Mesmo fazendo tudo “certo”, uma seca, uma praga ou o preço do grão podem anular meses de trabalho. Quando isso acontece repetidas vezes, o corpo cansa, a mente desanima e a autoestima começa a desmoronar.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor na Universidade de Berlim e um dos pensadores mais influentes da atualidade, ajuda a entender esse fenômeno. Em seu livro A Sociedade do Cansaço, Han explica que vivemos em uma era em que já não somos dominados por patrões autoritários ou horários rígidos, mas por uma voz interior que diz “você precisa ser melhor”. A pessoa acredita que é livre, mas na verdade se explora sozinha — trabalha demais, sente culpa por descansar e mede o próprio valor pelo desempenho.

Esse tipo de autocobrança cria o que Han chama de sujeito de desempenho: alguém que não suporta falhar e, quando falha, sente culpa em vez de questionar o sistema que o oprime. Para o produtor rural, isso significa viver sob o peso constante de metas cada vez maiores — mais produtividade, mais tecnologia, mais eficiência, mesmo quando as condições externas fogem totalmente ao controle.

Pesquisas publicadas em revistas internacionais, como o Journal of Agromedicine, mostram que agricultores em diferentes países apresentam índices elevados de estresse, ansiedade e depressão. Muitas vezes, o sofrimento não começa com a doença, mas com a sensação de que nada é suficiente. O esforço é alto, o retorno é incerto e o reconhecimento é pequeno.

A frustração, quando se acumula, passa a corroer a motivação e o sentido do trabalho. Essa perda de sentido foi estudada também pelo psiquiatra Viktor Frankl, sobrevivente do Holocausto, que mostrou como o ser humano adoece quando não encontra um “porquê” para suportar o “como”. No campo, isso acontece quando o trabalho deixa de representar orgulho e passa a significar apenas luta e cobrança.

A boa notícia é que existem caminhos possíveis para reverter esse ciclo. Um deles é o autoplanejamento — uma prática simples, mas poderosa, que ajuda o produtor a resgatar o controle sobre sua rotina e suas metas. Em vez de seguir apenas o ritmo do mercado, ele aprende a planejar dentro do que é controlável, ajustar expectativas e reconhecer pequenas vitórias. Isso reduz o impacto emocional das frustrações inevitáveis.

Um exemplo real vem de um grupo de produtores do interior de Goiás que, após repetidas perdas com o clima, passaram a revisar seus planos de plantio e investir em períodos de descanso programado. Além do ganho econômico, relataram melhora no sono, no convívio familiar e na sensação de propósito. O descanso, antes visto como “tempo perdido”, passou a ser entendido como parte do trabalho.

Essa mudança de mentalidade também é defendida pelo psicólogo rural americano Michael Rosmann, que descreve o chamado “imperativo agrário”: o impulso quase instintivo que leva o agricultor a trabalhar sem parar por dever e por herança familiar. Rosmann alerta que, quando esse impulso se transforma em obrigação inquebrável, ele pode virar fonte de adoecimento.

Em outras palavras, a saúde emocional no campo depende não apenas de medicamentos ou terapias individuais, mas de uma mudança cultural. É preciso falar sobre limites, descanso e propósito sem que isso pareça fraqueza. O produtor precisa voltar a se ver como pessoa, não apenas como engrenagem produtiva.

A frustração não é sinal de fracasso, mas um convite à reorganização. Quando o produtor reconhece que nem tudo depende dele e que sua dignidade não está no tamanho da safra, mas na consciência do seu papel na comunidade, ele começa a romper o ciclo que leva ao cansaço e à depressão.

O século XXI talvez não seja o século da depressão, mas o século da frustração. E entender essa diferença é fundamental para construir um campo mais humano, produtivo e saudável — onde cuidar da mente seja tão importante quanto cuidar da terra.

Fontes:

  • Byung-Chul Han. (2015). A sociedade do cansaço. Vozes. (Obra original publicada em 2010).
  • Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). The “what” and “why” of goal pursuits: Human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry, 11(4), 227–268. https://doi.org/10.1207/S15327965PLI1104_01
  • Frankl, V. E. (2019). Em busca de sentido: Um psicólogo no campo de concentração (39ª ed.). Vozes.
  • Rosmann, M. R. (2010). The agrarian imperative: A likely contributor to the health of farm populations. Journal of Agromedicine, 15(3), 187–189. https://doi.org/10.1080/10599241003630585
  • Ehrenberg, A. (1998). La fatigue d’être soi: Dépression et société. Odile Jacob.
  • Honneth, A. (2005). Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais. Editora 34.
  • Karasek, R. A. (1979). Job demands, job decision latitude, and mental strain: Implications for job redesign. Administrative Science Quarterly, 24(2), 285–308. https://doi.org/10.2307/2392498
  • Siegrist, J. (1996). Adverse health effects of high-effort/low-reward conditions. Journal of Occupational Health Psychology, 1(1), 27–41. https://doi.org/10.1037/1076-8998.1.1.27

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui