Mónica Flores, CEO do ManpowerGroup na América Latina, revela por que empresas e profissionais estão passando por uma profunda revolução

Por: vocerh.abril.com.br

Capacidade de resolver problemas, iniciativa e autodisciplina estão entre as principais habilidades necessárias aos profissionais nos próximos anos, afirma Mónica Flores, presidente da consultoria de gestão de pessoas ManpowerGroup para a América Latina. “Creio que estamos em uma época de reinvenção para todos, não apenas para as organizações, mas também para os indivíduos”, diz. “Como indivíduos, temos que nos reinventar para adquirir as habilidade que o trabalho demanda hoje, tanto as softskills como as hardskills, e temos que pensar em ser atrativos o tempo todo para o mercado de trabalho, com produtividade e competitividade.

Mart Production/Pexels/Divulgação

E as organizações precisam acelerar sua forma de construir essa marca empregadora para serem atrativas aos candidatos e ter uma cultura que possa reter e motivar seus colaboradores, pensando não apenas nas habilidades de que necessitam hoje, mas também naquelas que precisarão ter amanhã e depois de amanhã e daqui a cinco anos, ajudando-os a formá-las para construir seus talentos e os talentos do futuro.” Em entrevista a VOCÊ RH, Mónica fala sobre as mudanças aceleradas na pandemia e que devem se consolidar nos próximos anos.

De que forma a busca dos profissionais por mais flexibilidade, propósito e qualidade de vida, acentuada na pandemia, deve influenciar mudanças no mundo do trabalho?

Tudo mudou. A pandemia redefiniu o mundo inteiro em vários aspectos, não apenas no trabalho. Foram redefinidas as formas como fazemos negócios, nossos postos de trabalho, o que as organizações esperam dos talentos, o que os candidatos esperam de um empregador e, claro, a forma como trabalhamos. Sem mencionar a maneira como nos divertimos, como compramos e tudo que foi trazido pela adoção acelerada da digitalização e pela revolução tecnológica, precisamente por causa da pandemia.

Me parece que a relação entre empregado e empregador, que antes era mais como uma transação em que uma pessoa trabalhava uma quantidade de horas e outra pagava a ela um salário, agora é muito mais profunda. Agora, é preciso não apenas levar em conta o que os candidatos ou colaboradores entendem como suas necessidades, mas também o que as empresas precisam de seus empregados. Hoje, os funcionários buscam flexibilidade, modelos híbridos de trabalho, uma empresa cujos propósitos se encaixem em seus propósitos pessoais. Buscam empresas que possam contribuir de alguma maneira com um mundo melhor, uma melhor sociedade, melhor clima, melhor ambiente. E buscam também empregos em que possam continuar aprendendo coisas que os ajudem a se manter atualizados com o mercado de trabalho. Não esperam ficar dez anos no mesmo cargo, mas rapidamente ter mobilidade a outras áreas ou aprender sobre outras áreas. Procuram por um bom salário, isso sempre foi assim e continuará sendo, mas também buscam férias maiores, ter lideres inspiradores, um ambiente de confiança e de colaboração, um lugar que não apenas lhes pague o salário, mas que os faça serem melhores.

Por outro lado, as empresas também mudaram o que buscam em um colaborador. Não querem apenas que tenham certo nível de conhecimentos técnicos e acadêmicos, mas competências humanas que os façam ser mais competitivos em um mundo veloz e sempre em mutação.

Quais são essas características?

Em primeiro lugar, boa capacidade para resolução de problemas, porque, com mais flexibilidade no trabalho, nem sempre terá o chefe dando instruções para resolver um desafio. As empresas buscam, em segundo lugar, pessoas com resiliência e adaptabilidade, porque a pandemia trouxe uma mudança profunda, mas a mudança continuará acontecendo justamente pela revolução tecnológica e pela mudança de hábitos dos consumidores, que agora são clientes mais sofisticados que antes, porque têm mais informação. Em terceiro lugar, procuram pessoas que tenham iniciativa, que sejam capazes de decidir, sem esperar que alguém lhes diga o que fazer, que tenham iniciativa para inovar, porque hoje o nome do jogo é inovação.

As companhias buscam também pessoas confiáveis e com autodisciplina. Agora, não faz diferença a que horas se chega ou sai, o que importa é o resultado que você gera ou o impacto que tem na performance da organização. E buscam pessoas com habilidade para colaborar e trabalhar em equipe, porque a inovação raramente se dá pela ação de um só profissional, mas é resultado da diversidade de pensamento, da negociação de ideias e do conjunto de pontos de vista que podem fazer de um processo, produto ou serviço algo melhor. E eu acrescentaria que buscam pessoas com learnability, que é a capacidade de motivação para continuar aprendendo diferentes coisas o tempo todo, capacidade essa que vai te manter atualizado e atrativo para o mercado de trabalho.

De que forma a chegada da geração Z ao mercado em um cenário de turbulência econômica, política e social afeta as práticas de gestão de pessoas nas empresas?

Eu acredito que não é uma questão de geração. Cada geração é distinta e tem coisas boas e coisas a serem melhoradas — me parece que temos estigmatizado demais os grupos por geração e os estereotipamos. De fato, há características comuns a certos grupos e características sociais que os marcam de alguma maneira, mas não é que algum seja melhor ou pior ou pense radicalmente diferente dos outros.

Me parece que, para os jovens, há, sim, uma grande diferença, que é serem muito mais versáteis que as gerações anteriores. Sua expectativa quanto ao trabalho é completamente diferente, porque não é um fim, mas um meio para alcançar outras coisas, não esperam estar em uma empresa 50 anos esperando uma promoção. Eles vivem em uma época muito mais digital e a adotam mais facilmente. Vivem em um mundo em que o intervalo de atenção é mais curto, já não leem um memorando de duas horas, indo diretamente para o que há de importante a se ver. Vivem em um mundo muito mais veloz e, assim, sua expectativa de que algo aconteça mais rapidamente é maior — são menos pacientes. E buscam inspiração, não um chefe. Buscam um líder que os inspire, que lhes traga confiança, que os desafie, que os faça aprender. Procuram também períodos de férias maiores, porque são o tempo em que querem realizar seus sonhos. É algo que já se queria antes mesmo da pandemia, pelo menos quatro semanas de férias seguidas. O Brasil tem férias obrigatórias maiores, mas certos países da América Latina, como o México, onde são apenas seis dias de férias ao ano por lei, acaba sendo muito pouco. O trabalho para os mais jovens tem que ser mais divertido, tem que ser inspirador. Precisam de inspiração para, em troca, oferecer mudança e aprendizado.

Quais os principais desafios das empresas na contratação e no engajamento de talentos?

São muitos desafios. Precisaremos ter modelos mais personalizados que atendam a cada grupo de profissionais. Empregados casados, com filhos pequenos não têm as mesmas necessidade que têm os solteiros, então cada um busca uma empresa que se adeque à sua condição particular. E não receber isso que você espera do trabalho pode levar a uma mudança de emprego.

Por outro lado, não conseguir engajar seus talentos, sobretudo os mais jovens, também gera rotatividade — porque se entediam, porque não encontram inspiração, porque sentem que não progridem, não estão aprendendo. Fica mais difícil retê-los. Me parece que as empresas podem ter as melhores políticas de flexibilidade, modelos de compensação variáveis, instalações e escritórios super modernos, mas se o líder não é um bom líder, os funcionários se vão, porque as pessoas renunciam ao seu chefe e não à empresa.

Hoje, não se espera de um líder apenas que saiba muito sobre algo ou que sempre tenha as respostas. Se espera, ainda, que tenha inteligência emocional, que seja transparente, íntegro à toda prova, que seja apto para o digital, que dê o exemplo em termos de learnability, que seja humilde, que seja humano. Antes, umas das características de ser chefe era que fosse desumano, e agora é exatamente o contrário.

Nos últimos meses, vimos um maior número de demissões nas empresas de tecnologia. No entanto, a demanda por profissionais nessa área continuará maior do que a oferta pelo menos por alguns anos. Quais são as perspectivas nesse segmento?

Algumas das posições mais difíceis de se preencher e com profissionais mais requisitados estão justamente na área de TI e análise de dados. Não só as empresas de tecnologia, mas qualquer empresa de qualquer segmento ou tamanho precisa de especialistas em TI e análise de dados. Nós fazemos a cada ano uma pesquisa sobre escassez de talentos, na qual perguntamos aos empregadores se têm problema para encontrar os candidatos que procuram. Em nível global, 74% deles nos retornaram que não encontram os candidatos que necessitam. Na América Latina esse percentual é de 69%, mas, no Brasil, o número é de 80%. Entre eles, estão os de TI, mas a escassez não se limita ao setor de tecnologia.

Algumas análises apontam que o modelo híbrido ou remoto pode aumentar o desafio das empresas de manter as conquistas e avançar em diversidade e inclusão. Outras indicam que o trabalho à distância favorece as políticas de D&I. Qual a sua avaliação sobre esses desafios e sobre como administrá-los?

Eu acredito que o trabalho remoto e os modelos híbridos fomentam e facilitam a diversidade e a inclusão. Lembremos que, na prática, diversidade e inclusão não é somente uma política, algo que se tira de uma caixa, é um modo de vida, é uma cultura. E essa cultura é uma coisa viva. Ao se permitir que as pessoas trabalhem de suas casas, abre-se uma porta para mulheres que não poderiam estar trabalhando em escritórios, seja por que cuidam de seus filhos, seja por causa dos horários. Também é favorável para pessoas com alguma deficiência que implica em questões importantes de mobilidade. Dá-se acessibilidade a pessoas que vivem longe do local de trabalho, que já não precisam gastar três horas para chegar e depois mais 3 para voltar. Abrem-se possibilidades para empregar-se pessoas de outras cidades ou de outros países. Então é uma grande ferramenta para promover a diversidade, a equidade e a inclusão.

Quais tendências do mundo do trabalho devem se consolidar?  

Acredito que os modelos híbridos chegaram para ficar e não voltaremos mais às formas de trabalho do passado. Me parece que o tema da recapacitação e, como se diz em inglês, reskilling e upskilling, são uma norma porque o mundo está mudando rápido e você precisa estar aprendendo constantemente, aprendendo mais sobre o que faz ou aprendendo coisas diferentes.

A migração de habilidades entre áreas de atividade também passa a se dar com maior facilidade e velocidade. Antes, você ficava por toda a sua carreira trabalhando em um setor, e hoje você passa mais facilmente do entretenimento ou imobiliário para o de logística, por exemplo, porque surgem melhores oportunidades de emprego.

Também acredito que a digitalização continuará sendo uma norma e a implementação de estratégias ESG será um imperativo, com empresas comprometidas com seu entorno, com os temas sociais e de governança. Cada vez mais, tanto os indivíduos têm que construir sua marca pessoal como as empresas refletir e construir sua marca empregadora.

Creio que estamos em uma época de reinvenção para todos, não apenas para as organizações, mas também para os indivíduos. Como indivíduos, temos que nos reinventar para adquirir as habilidade que o trabalho demanda hoje, tanto as softskills como as hardskills, e temos que pensar em ser atrativos o tempo todo para o mercado de trabalho, com produtividade e competitividade. E as organizações precisam acelerar sua forma de construir essa marca empregadora para serem atrativas aos candidatos e ter uma cultura que possa reter e motivar seus colaboradores, pensando não apenas nas habilidades de que necessitam hoje, mas também naquelas que precisarão ter amanhã e depois de amanhã e daqui a cinco anos, ajudando-os a formá-las para construir seus talentos e os talentos do futuro.

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