Por: Kennedy Alecrim / Redação

A saúde mental dos produtores rurais tem sido, por muito tempo, invisibilizada. Mas o cansaço que se acumula no corpo e na mente de quem trabalha com a terra vai muito além de uma simples fadiga. É uma exaustão silenciosa, agravada por crises climáticas, dívidas, insegurança de renda, isolamento social e falta de reconhecimento.

Em muitos países, o problema já foi reconhecido como emergência de saúde pública rural. Na Austrália, Canadá, Estados Unidos e diversas nações da Europa, estão sendo implementadas políticas específicas de cuidado com a saúde emocional do trabalhador do campo — porque não basta produzir alimentos se quem produz está adoecendo por dentro.

A realidade no Brasil: solidão, sobrecarga e silêncio

O produtor rural brasileiro enfrenta uma rotina intensa, marcada por incertezas. A imprevisibilidade do clima, os altos custos de produção, a falta de mão de obra e a ausência de políticas públicas adaptadas à realidade do campo elevam os níveis de estresse a patamares alarmantes. Muitas vezes, o autocuidado é visto como luxo — ou pior, como preguiça.

A ideia de que “parar é pecado” ainda ronda as porteiras. E com isso, a mente vai adoecendo. Ansiedade, depressão, esgotamento emocional e até pensamentos suicidas são cada vez mais frequentes no campo, embora raramente verbalizados.

O que o mundo está fazendo

A Austrália é pioneira na criação de programas comunitários de bem-estar rural, como o Resilience Rural e o Look Over the Farm Gate, que oferecem subsídios para eventos de saúde mental, materiais educativos e apoio psicológico. O governo australiano reconhece que a saúde mental é parte da sustentabilidade agrícola e destina verbas para psicólogos e centros de atendimento nas áreas rurais.

No Canadá, o programa Agriculture Wellness Ontario oferece atendimentos psicológicos gratuitos e capacitações para reconhecer sinais de esgotamento. Já a National Farmers Union publicou uma estratégia nacional que liga saúde mental a fatores econômicos e propõe políticas públicas integradas.

Nos Estados Unidos, a lei Farmers First Act reautoriza uma rede nacional de suporte emocional para produtores. O programa Farm State of Mind oferece recursos acessíveis e teleatendimento. Há também iniciativas como o LandLogic, que utiliza imagens aéreas das fazendas para conectar emoção e território, rompendo o estigma do cuidado psicológico.

Na União Europeia, a saúde mental foi incorporada às novas diretrizes da Política Agrícola Comum. O grupo Supporting the Mental Health of Farmers propôs, em 2024, diretrizes práticas para estimular redes de apoio, ações preventivas e maior sensibilização em países como França, Irlanda e Alemanha.

Na África, surgem programas de capacitação emocional como o Innate Mental Health and Wellbeing in Agriculture, na África do Sul, que já formou mais de 1.200 jovens rurais em práticas de cuidado emocional e comunitário.

E mesmo na América Latina, projetos como os da McKnight Foundation e da organização Plant With Purpose vêm combinando sustentabilidade agroecológica com fortalecimento comunitário, impactando positivamente a saúde emocional dos produtores.

E o Brasil?

Apesar da importância do setor agropecuário, o Brasil ainda carece de uma política nacional de saúde mental no campo. A assistência psicossocial é escassa em áreas rurais e, quando existe, não é pensada para lidar com as especificidades da vida agrícola. A maioria dos instrumentos de saúde mental foi desenhada para contextos urbanos e industriais, onde a lógica do trabalho é completamente diferente.

Mas há um caminho. As cooperativas podem assumir um papel protagonista, criando redes de escuta, promovendo ações de acolhimento emocional e reivindicando políticas públicas. A pesquisa científica brasileira já mostra que o autocuidado, a confiança comunitária e o pertencimento organizacional reduzem sintomas de estresse e aumentam o engajamento com a terra.

Autocuidado é estratégia, não fraqueza

Cuidar de si não é parar, é manter-se forte. É reconhecer que saúde mental também é insumo de produção.
Assim como a terra precisa de rotação e descanso, a mente também precisa respirar.

Programas de atenção plena, grupos de conversa, ações coletivas nas cooperativas, capacitações sobre sinais de alerta: tudo isso pode ser implementado com baixo custo, alto impacto e grande retorno humano.

Fontes:
Austrália

Canadá

Estados Unidos

Europa

África

América do Sul

Wikipedia. (n.d.). Plant with Purpose. https://en.wikipedia.org/wiki/Plant_with_Purpose

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