Soluções milagrosas, técnicas de gestão, ferramentas de produtividade. Em meio a promessas de eficiência, pouco se fala do que acontece dentro da cabeça de quem decide. A saúde mental dos produtores rurais está sendo moldada por forças invisíveis — e uma delas é a própria personalidade.

Por: kennedy Alecrim / Redação

Um mercado de promessas gerenciais

Nos últimos anos, o produtor rural brasileiro passou a ser bombardeado por cursos, consultorias e tecnologias que prometem revolucionar sua forma de trabalhar. A promessa é sempre a mesma: produtividade com menos sofrimento. Mas os dados apontam para uma realidade mais dura — e muitas vezes silenciosa.

“Tudo pelo que trabalhei foi destruído. Minha vida acabou. Não sei o que fazer.”

— agricultor afetado pela febre aftosa (Garnefski et al., 2005)

Essa fala resume um sentimento comum entre trabalhadores que enfrentam perdas no campo. A introdução de técnicas sofisticadas de planejamento e controle pode até funcionar em ambientes previsíveis. Mas na lavoura, onde clima, pragas e mercado desafiam qualquer planilha, o excesso de racionalidade pode se tornar uma armadilha emocional.

Quando o planejamento adoece

Embora frequentemente vendida como virtude, a estratégia de planejamento pode ser, paradoxalmente, prejudicial em contextos incontroláveis:

“O planejamento esteve associado a maiores níveis de sofrimento entre os agricultores, sugerindo que em situações sem controle, essa estratégia pode ser contraproducente.”

(Garnefski et al., 2005, p. 1325)

Ou seja, a exigência por decisões racionais e calculadas pode intensificar a frustração quando o cenário real não permite ação efetiva.

Personalidade: o que está dentro também pesa

Pesquisas mostram que a maneira como o produtor lida com o estresse está profundamente ligada à sua personalidade. Traços como resiliência, consciência, neuroticismo e até extroversão impactam diretamente não só a saúde mental, mas também a forma como se tomam decisões gerenciais.

Segundo Willock et al. (1999), produtores com alto nível de neuroticismo tendem a tomar decisões mais defensivas e hesitantes, enquanto aqueles com traços de consciência e abertura à experiência conseguem lidar melhor com incertezas.

Já a resiliência aparece como um fator protetor crucial: indivíduos mais resilientes conseguem reorganizar mentalmente a adversidade, reinterpretando perdas como aprendizados — uma estratégia conhecida como reavaliação positiva (Garnefski et al., 2005, p. 1326).

Ruminação e solidão: os vilões silenciosos

O problema não é só a dificuldade de decidir, mas o que acontece depois. Agricultores que ruminam — ou seja, que se prendem a pensamentos recorrentes sobre falhas ou eventos negativos — apresentam níveis mais altos de depressão, ansiedade e evasão.

“A ruminação foi consistentemente a estratégia mais associada ao sofrimento psicológico.”

(Garnefski et al., 2005, p. 1324)

Em um ambiente onde ainda há forte estigma em torno do sofrimento psíquico, esses mecanismos se intensificam na solidão das decisões que não podem ser compartilhadas.

O que pode funcionar de verdade?

A boa notícia é que estratégias cognitivas mais adaptativas existem — e podem ser desenvolvidas. Técnicas que envolvem redirecionamento do foco e reavaliação positiva são associadas a menor sofrimento e mais autonomia mental.

Além disso, há crescente consenso de que as intervenções precisam ser contextualizadas ao ambiente rural, respeitando seus códigos culturais, ciclos naturais e formas de trabalho coletivo.

Não basta vender técnicas: é preciso cuidar de quem decide.

Conclusão

A personalidade do produtor rural não é um detalhe — é uma variável central. E quando se ignora esse fator nas promessas de gestão e produtividade, corre-se o risco de agravar ainda mais o sofrimento silencioso de quem já vive sob múltiplas pressões.

Mais do que planilhas e metas, o campo precisa de escuta, compreensão e políticas públicas que reconheçam a dimensão psíquica das decisões rurais.

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Teste BFI‑10

Teste de Personalidade

Para cada afirmação, selecione um número de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente).

1. Sou uma pessoa reservada.
2. Costumo ser confiável e cooperativo(a).
3. Tendo a ser relaxado(a), lido bem com o estresse.
4. Tenho dificuldade para ficar calmo(a).
5. Tenho pouco interesse por arte.
6. Sou extrovertido(a) e sociável.
7. Critico os outros com frequência.
8. Tenho tendência a ser preguiçoso(a).
9. Sou aberto(a) a novas experiências.
10. Sou cuidadoso(a) e metódico(a).

Referências:

  1. Garnefski, N., Kraaij, V., & Spinhoven, P. (2005). Negative life events, cognitive emotion regulation, and emotional problems. Personality and Individual Differences, 39(2), 301–312. https://doi.org/10.1016/j.paid.2005.01.006
  2. Rammstedt, B., & John, O. P. (2007). Measuring personality in one minute or less: A 10-item short version of the Big Five Inventory in English and German. Journal of Research in Personality, 41(1), 203–212. https://doi.org/10.1016/j.jrp.2006.02.001
  3. John, O. P., & Srivastava, S. (1999). The Big Five trait taxonomy: History, measurement, and theoretical perspectives. In L. A. Pervin & O. P. John (Eds.), Handbook of personality: Theory and research (2nd ed., pp. 102–138). Guilford Press.
  4. Carciofo, R., Yang, J., Song, N., Du, F., & Zhang, K. (2016). Psychometric evaluation of Chinese-language 10-item Big Five Personality Inventory (BFI-10) with college students. PLoS ONE, 11(8), e0161621. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0161621
  5. Damásio, B. F., Borsa, J. C., & Costa, S. T. (2013). Inventário dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade (IGFP-5): Desenvolvimento e evidências iniciais de validade. Psico-USF, 18(1), 13–23. https://doi.org/10.1590/S1413-82712013000100003
  6. Mastrascusa, V. C., Carvalho, L. de F., DeYoung, C. G., & Primi, R. (2023). Psychometric properties of the Brazilian version of the Big Five Inventory. Scientific Reports, 13, Article 7523. DOI: 10.1038/s41598-023-34504-1

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