Por: Kennedy Alecrim / Redação
A resistência à mudança é um fenômeno amplamente documentado em diversos contextos sociais e organizacionais, mas assume contornos particulares quando se trata do ambiente rural. No campo, mudanças estruturais, tecnológicas e comportamentais encontram barreiras que vão além das limitações materiais, envolvem valores, identidade, capital social e, sobretudo, modos de vida enraizados na autossuficiência e na tradição. Este artigo analisa, com base em evidências científicas, os principais fatores que alimentam a resistência à mudança entre produtores rurais e cooperados, com ênfase nos aspectos psicológicos, culturais e organizacionais.

A Autossuficiência como Valor Cultural e Barreira à Mudança
A autossuficiência é um valor central no imaginário rural. Segundo Keller e Owens (2022), essa crença está profundamente ligada à identidade de produtores que valorizam a independência e a solução de problemas sem apoio externo. No entanto, essa valorização da autonomia pode se transformar em barreira psicológica para a mudança, principalmente no que se refere à busca de ajuda profissional ou à adoção de novas práticas coletivas.
A autossuficiência, quando exacerbada, é mediada por estigmas sociais e autoestigma, dificultando até mesmo a adesão a serviços de saúde mental (Keller & Owens, 2022). Essa lógica também se aplica à resistência frente à inovação tecnológica ou à adesão a programas de capacitação oferecidos por cooperativas.
Inflexibilidade Psicológica e Dissonância Cognitiva
A resistência à mudança no campo também pode ser explicada por mecanismos psicológicos como a inflexibilidade psicológica e a dissonância cognitiva. Zancan et al. (2021) demonstram que a inflexibilidade está diretamente associada a maiores níveis de estresse, ansiedade e resistência comportamental. Ao evitar enfrentar sentimentos de inadequação ou medo diante do novo, muitos produtores optam por manter práticas conhecidas, mesmo que ineficazes.
Essa tendência é intensificada pela dissonância cognitiva: quando uma nova prática ou proposta desafia crenças tradicionais, o produtor tende a rejeitá-la para preservar a coerência interna, evitando o desconforto psicológico que a mudança provocaria (Festinger, 1957).
Cooperativas e Ambivalência Organizacional
As cooperativas agrícolas, embora constituam espaços de inovação e apoio, também enfrentam resistência interna à mudança. A literatura aponta que muitos cooperados demonstram lealdade apenas enquanto sua posição individual estiver preservada, o que leva à manutenção do status quo e à desvalorização dos princípios cooperativistas (Simioni et al., 2009).
A pesquisa de Rocchetti Netto (2021) mostra que fatores como tempo de admissão, acesso a insumos e área de produção influenciam diretamente a fidelidade dos cooperados. A resistência, nesse contexto, não é apenas psicológica, mas também estrutural, pois mudanças propostas pelas cooperativas muitas vezes ameaçam a segurança ou o poder de determinados grupos.
A Importância da Confiança e do Capital Social
Para superar a resistência à mudança, é fundamental compreender o papel da confiança nas relações sociais rurais. Estudos como o de Ramírez López et al. (2018) demonstram que a confiança nas relações familiares, de amizade e nas redes informais é um ativo poderoso para o engajamento produtivo.
O capital social, entendido como o tecido relacional que une comunidades, é uma alavanca estratégica para estimular a mudança. Quando bem trabalhado, ele permite que as transformações propostas — sejam elas organizacionais ou comportamentais, sejam vistas não como rupturas, mas como formas de preservação da coletividade.
Conclusão
A resistência à mudança no campo não deve ser interpretada como teimosia ou atraso, mas como uma resposta racional e emocional a um contexto de incertezas, valores tradicionais e desafios sociais. Superar essa resistência exige uma abordagem integradora: que uma compreensão psicológica, inteligência cultural e ações organizacionais transparentes.
O futuro do campo dependerá, em grande parte, da nossa capacidade de criar espaços de escuta, pertencimento e experimentação coletiva, onde a mudança não seja imposta, mas cultivada com o mesmo cuidado que se planta o que é de valor.
Fontes:
Keller, R., & Owens, G. P. (2022). Rural cultural values and mental health stigma: A barrier to treatment-seeking behavior. Journal of Rural Mental Health, 46(1), 37–48. https://doi.org/10.1037/rmh0000182
Zancan, D. M., Gomes, A. D., & Fernandes, A. L. P. (2021). Inflexibilidade psicológica como preditora de estresse, ansiedade e depressão em estudantes universitários brasileiros. Estudos de Psicologia (Campinas), 38, e200080. https://doi.org/10.1590/1982-0275202138e200080
Simioni, F. J., Schneider, S., & Niederle, P. A. (2009). Cooperativas agropecuárias no Brasil: Transformações recentes e desafios organizacionais. Revista de Economia e Sociologia Rural, 47(2), 313–338. https://doi.org/10.1590/S0103-20032009000200006
Ramírez López, E., Bittencourt, G., & Belarmino, L. C. (2018). Confiança nas relações de produção agropecuária: Um estudo com produtores do Altiplano Oeste Potosino. Revista de Economia e Sociologia Rural, 56(3), 351–370. https://doi.org/10.1590/1234-56781806-94790560302
Rocchetti Netto, A. R. (2021). Fatores que influenciam a fidelidade de cooperados em cooperativas agropecuárias: Um estudo empírico. Revista Gestão & Tecnologia, 21(3), 88–106. https://doi.org/10.20397/2177-6652/2021.v21i3.2083
Inoue, M. (2020). Local self-sufficiency and community resilience: Case studies from Japanese mountainous villages. Sustainability, 12(11), 1–14. https://doi.org/10.3390/su12114673
Fleming, D. A., Tanton, R., & Siddiquee, A. (2018). Rural resilience in the face of change: Understanding rural community capacity and social resilience. Local Economy, 33(3), 279–297. https://doi.org/10.1177/0269094218763056