Por: Kennedy Alecrim / Redação
A solidão como marca invisível da vida no campo
Certa vez, um agricultor gaúcho resumiu sua vida em uma frase curta, porém densa: “De dia a gente passa entretido, de noite bate aquele vazio.” Ele vive só — como tantos outros produtores rurais brasileiros. São homens e mulheres que, entre uma colheita e outra, lidam não apenas com o clima, o solo e o mercado, mas também com um inimigo invisível: a solidão.

Essa é a realidade documentada na pesquisa “Somos solteirões: a construção social da solteirice na agricultura familiar”, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O estudo revela como, no campo, a solidão vai além da ausência de um parceiro amoroso — ela se infiltra na cultura, nas jornadas exaustivas, no distanciamento entre vizinhos e na dificuldade de se reconhecer vulnerável. Muitos agricultores vivem e envelhecem isolados, sem rede de apoio próxima, sem tempo ou espaço para o afeto.
A seguir, você confere os principais impactos da solidão sobre o bem-estar mental e físico no meio rural, com base nas mais recentes pesquisas internacionais e brasileiras:
1. Aumento do risco de depressão e ansiedade
A solidão é um dos maiores gatilhos para o adoecimento emocional entre produtores rurais. A ausência de relações sociais próximas favorece o surgimento de sentimentos de desesperança, tristeza profunda e desconexão emocional — fatores diretamente ligados ao desenvolvimento da depressão e da ansiedade. Além disso, a insegurança sobre as condições do clima, preços e políticas agrárias intensifica esse sofrimento, especialmente quando não há com quem dividir as angústias.
2. Níveis elevados de estresse e esgotamento
Trabalhar de sol a sol, sem tempo para lazer, sem fronteiras entre o “trabalho” e a “vida pessoal”, é rotina para milhares de agricultores. Essa sobrecarga, somada à escassez de apoio emocional, pode levar a quadros graves de estresse e esgotamento. Muitos relatam que mesmo quando o corpo descansa, a mente continua em alerta — sem pausa para cuidar de si.
3. Ideação suicida e risco de suicídio
Infelizmente, os dados mostram que agricultores estão entre os grupos com maior risco de suicídio. A solidão, o estigma em pedir ajuda e as pressões financeiras são fatores que, combinados, criam um ambiente de alto risco. A vergonha de demonstrar fraqueza e o medo do julgamento fazem com que muitos sofram em silêncio até o limite.
4. Impacto na saúde física
A solidão não afeta apenas o psicológico: estudos mostram que ela compromete o sistema imunológico, aumenta a pressão arterial e pode desencadear problemas cardíacos. Para quem vive do esforço físico, como os agricultores, essas consequências impactam diretamente na produtividade e na qualidade de vida. Cria-se um ciclo perigoso: quanto mais adoecido, mais isolado; quanto mais isolado, mais adoecido.
5. Barreiras para procurar ajuda
No campo, pedir ajuda ainda é tabu. Muitos produtores acreditam que devem ser “fortes”, “autossuficientes”, e evitam buscar apoio psicológico mesmo quando já estão em sofrimento. Além disso, a distância dos serviços especializados e a falta de anonimato em comunidades pequenas dificultam ainda mais a busca por apoio. O medo de “dar na boca do povo” paralisa.
6. O papel do apoio social
Relações próximas, como amizades, vizinhança solidária ou grupos comunitários, são um dos principais fatores de proteção contra a solidão no campo. A troca, o acolhimento e o pertencimento a uma rede reduzem significativamente os riscos de sofrimento emocional. Quando o agricultor sabe que pode contar com alguém, ele adoece menos — e vive melhor.
7. Caminhos possíveis: o que pode ser feito?
É preciso mudar a cultura do silêncio. O combate à solidão no meio rural passa por três frentes:
- Educação em saúde mental, com linguagem simples e acessível;
- Expansão de serviços de apoio, como psicólogos por telessaúde e equipes móveis;
- Iniciativas comunitárias, como rodas de conversa, grupos de vizinhança e mutirões de cuidado.
O agricultor não é solitário por escolha, mas por circunstância. E reconhecer isso é o primeiro passo para transformar uma cultura que, por muito tempo, confundiu resiliência com isolamento.
Resumo visual: Impactos da solidão na vida no campo
Impacto | Descrição |
Depressão e ansiedade | Solidão intensifica sentimentos de tristeza e desesperança. |
Estresse e esgotamento | Longas jornadas e isolamento emocional geram esgotamento físico e mental. |
Ideação suicida e suicídio | Taxas mais elevadas entre agricultores, associadas ao isolamento e estigma. |
Comprometimento da saúde física | A solidão enfraquece a imunidade e aumenta o risco de doenças crônicas. |
Barreiras à busca de ajuda | Medo do julgamento, falta de anonimato e serviços distantes. |
Redes de apoio como proteção | Laços sociais reduzem o impacto negativo da solidão. |
Fontes :
- Costa, C. da. (2013). Somos solteirões: a construção social da solteirice na agricultura familiar. Universidade Federal de Santa Maria. https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFSM_12e2833162b3366ecb3f1dd56da43094
- Scheyett, A., Brown, V., & Weatherly, C. (2025). Time is a Precious Commodity: Reframing Farmer Stress and Mental Health Through the Lens of Time Poverty. OBM Integrative and Complimentary Medicine. https://doi.org/10.21926/obm.icm.2501005
- Forcadela, F., Bagheri, N., & Slimings, C. (2020). The prevalence of psychological distress and relationships with social fragmentation and isolation. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2020.11.12.20230771
- Dhingra, I. et al. (2015). Loneliness and Mental Health: Critical Clinical Issues. https://doi.org/10.30877/IJMH.3.1.2016.6-16
- Bruss, K., Seth, P., & Zhao, G. (2024). Loneliness, Lack of Social and Emotional Support, and Mental Health Issues. MMWR. https://doi.org/10.15585/mmwr.mm7324a1